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Montanha treinava com botijão de gás e agora estará no Mundial de atletismo

Divulgação/BM&F

Marcelo Laguna

Do UOL, em São Paulo

Os treinos no centro de treinamento do Clube BM&F de atletismo, em São Caetano do Sul, corriam de forma modorrenta nas últimas semanas para o lançador de martelo Wagner Domingos, também conhecido entre os colegas como “Montanha”. Ele ainda amargava a decepção por ter deixado escapar a medalha de bronze no Pan-Americano de Toronto para o americano Connor McCullough – ambos terminaram a prova com a mesma marca de 73,74 m, porém o americano levou a vantagem no desempate, com um segundo lançamento superior ao do brasileiro. 

O desânimo de Montanha foi trocado por muita festa no último dia 10, quando recebeu uma ligação da CBAt (Confederação Brasileira de Atletismo), confirmando que ele iria participar do Campeonato Mundial da modalidade, que será realizado em Pequim (China) a partir desta sexta-feira à noite (pelo horário de Brasília), quando o atleta pernambucano de 32 anos fará sua estreia e também entrará para a história: pela primeira vez um brasileiro disputará um Mundial na prova do lançamento do martelo.
 
“É muito bom saber que eu serei um pioneiro. Estou no atletismo há 18 anos e conseguir participar pela primeira vez de um Mundial também servirá para abrir as portas para outros atletas”, diz Montanha, que só conseguiu a vaga para competir na China por causa de um convite da Iaaf (Associação das Federações Internacionais de Atletismo). “Algumas vagas para o martelo não foram preenchidas e a Iaaf resolveu convidar os atletas pelo ranking. Normalmente a CBAt não aceitava esses convites em anos anteriores. Ainda bem que aceitaram agora”, afirma o atleta, que tem a 31ª marca do ano entre os 32 inscritos para a prova (74,20 m).
 
Reprodução/TV Globo/Programa Globo Esporte/Dia:04/11/2014
imagem: Reprodução/TV Globo/Programa Globo Esporte/Dia:04/11/2014
 
Mais do que marcar seu nome como uma espécie de desbravador em uma prova sem tradição no Brasil, Montanha terá no Mundial de Pequim a chance de mostrar que seus treinamentos inusitados de início de carreira fizeram a diferença. Ainda em Recife, costumava treinar usando botijões de gás. “Da minha casa para o clube, eu demorava uns 40 minutos de ônibus. Era difícil treinar duas vezes por dia. Aí eu tive a ideia de usar um botijão vazio, que pesa uns 17 kg, para simular os movimentos do lançamento. E até que funcionava. Fiquei conhecido como o ‘menino do botijão’”, relembra.
 
O começo de carreira não foi nada desafiador comparado ao que ele enfrentou em 2011. Montanha foi diagnosticado com um tumor maligno na bexiga, poucos meses antes do Pan-Americano de Guadalajara. Como foi descoberta rapidamente, a doença não impediu o prosseguimento da carreira. Mesmo assim, se emociona sempre que se recorda do caso.
 
“Eu tinha viajado no começo do ano para um período de treinos na Eslovênia e não fiz os exames obrigatórios que o clube sempre pede. Na volta, em maio, entreguei os resultados para os médicos, que viram um pólipo na ressonância da bexiga”, relembra o atleta, que diz ter ficado muito abalado quando soube do diagnóstico.
 
“A gente nunca acha que pode ser com a gente. Fiquei sem chão, mas falei para fazermos o que precisava fazer”, lembra Montanha, que tinha como maior medo não poder voltar a competir. Ao ser operado em junho de 2011, ele percebeu que teve muita sorte. “O tumor era pequeno, ainda em estágio inicial e eles conseguiram retirar tudo. Se eu tivesse feito o exame na época em que o clube pediu, talvez não aparecesse no exame”. Em outubro, Montanha voltava às competições, tendo inclusive participado do Pan-Americano, quando também terminou em quarto lugar.

Objetivo realista e também ousado

Participar do Mundial de Pequim também terá este sentimento de superação, embora o lançador de 1,87 m e 111 kg tenha planos de conseguir um bom resultado mesmo encarando os principais atletas do martelo. “Tudo é questão de como você estará no dia da prova. Pelo que treinei ao longo deste ano, tenho condições de bater meu recorde brasileiro [75,47 m, obtido no Troféu Brasil de 2014] e avançar à final”, diz Montanha.
 
Para um de seus treinadores, Jorge Marcos Carlos, o Jorjão, não é impossível imaginar uma classificação para a final do brasileiro. “Imagino que será possível avançar à final com 77, 78 metros, que inclusive é o índice olímpico. Se ele se envolver com o nível da prova, pode chegar a esta marca”, explica o técnico, reconhecendo que Montanha ainda não alcançou seu melhor nível neste ano. “Ele ainda não conseguiu encaixar um bom resultado, tanto que a gente esperava que isso ocorresse no Pan de Toronto. Mas quem sabe este resultado não vem agora?”, pergunta Jorjão.
 
Medalha, contudo, não está nos planos do brasileiro, especialmente porque a maior parte de seus adversários encontra-se em um nível técnico bem superior. Casos, por exemplo, do polonês Pawel Fajdek, atual campeão do mundo e dono da melhor marca do ano (83,93 m), ou então do húngaro Krisztián Pars, campeão olímpico em Londres 2012 e que tem o segundo melhor resultado de 2015 (79,91 m).
 
Nada que deixe intimidado Montanha, que vem realizando períodos de treinamento na Eslovênia desde 2009, orientado pelo técnico esloveno Vladimir Kevo, um dos mais conceituados do mundo e que já comandou o campeão olímpico de Pequim 2008, Primoz Kozmus. Com tanto intercâmbio, não foi por acaso a evolução do brasileiro na prova desde 2010, tendo superado sete vezes o recorde nacional.

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