Feminino evolui e Cielo assusta: Mundial de Kazan faz Brasil olhar até 2016
Guilherme CostaDo UOL, em Kazan (Rússia)
“Ainda bem que foi aqui e não em 2016”. A cada erro ou desempenho ruim no Mundial de esportes aquáticos de Kazan (Rússia), atletas brasileiros entoaram diferentes versões dessa frase. A competição encerrada no último domingo (09) ofereceu parâmetros, mas também serviu como uma espécie de blindagem: a escala e as propostas variam, mas o Brasil já pensa nos Jogos Olímpicos do próximo ano, que serão realizados no Rio de Janeiro.
O Brasil deixou Kazan com dez finalistas e quatro medalhas na natação (pratas de Etiene Medeiros, Nicholas Santos e Thiago Pereira e bronze de Bruno Fratus). Além disso, foram três pódios na maratona aquática (ouro nos 25km, bronze nos 10km e prata nos 5km por equipes, sempre com participação de Ana Marcela Cunha). A meta da CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos) era emplacar 12 participações em provas decisivas nas piscinas, mesmo número de Barcelona-2013.
O desempenho inferior ao esperado, contudo, não foi o único problema da participação brasileira no Mundial de Kazan. A lista de polêmicas por um atleta acusado de abuso sexual (Thyê Mattos, goleiro reserva do polo aquático, num episódio que aconteceu durante a participação nos Jogos Pan-Americanos de Toronto-2015), um incidente na piscina de aquecimento da Kazan Arena (Larissa Oliveira e o chinês Sun Yang se estranharam, a comissão técnica brasileira intercedeu, e o caso acabou reportado à Fina) e uma tentativa de fuga do principal nadador do país (acometido por uma inflamação no ombro esquerdo, Cesar Cielo sentiu dores após os 50m borboleta e deixou a Rússia antes de disputar sequer as eliminatórias dos 50m livre).
Numa trajetória tão atribulada, todos os resultados devem ser ponderados. As pratas de Etiene e Nicholas e os pódios dos 25km e 5km na maratona aquática foram obtidos em provas que não são olímpicas. Além disso, o Brasil carregou em Kazan o desgaste físico e emocional advindo dos Jogos Pan-Americanos de Toronto-2015, disputados um mês antes.
Os destaques do Brasil no Mundial e como eles se preparam para 2016
Estratégia preocupa Ana Marcela Cunha
Individualmente, nenhum atleta brasileiro brilhou tanto em Kazan quanto Ana Marcela Cunha. A especialista em longas distâncias venceu os 25km com alguma folga, ajudou a equipe mista de 5km a obter uma prata e ainda amealhou um bronze nos 10km, única distância olímpica na lista. O pódio nessa prova valeu classificação para os Jogos Olímpicos do próximo ano.
A avaliação do técnico de Ana Marcela, Fernando Possenti, é que o bronze nos 10km tem a ver com uma questão estratégica. As duas atletas que ficaram à frente dela, Aurelie Muller e Sharon van Rouwendaal, treinam com o mesmo técnico e mudaram a rotina de alimentação na reta final da prova. Com isso, deixaram a brasileira para trás e brigaram pelo topo do pódio. “É algo que nós precisamos ver, sim. A Ana acabou bem, podia ter dado um gás maior, mas não conseguiu acompanhar as meninas por causa disso”, admitiu o treinador.
Etiene Medeiros teme oscilações de humor
Nas piscinas, o grande destaque do Brasil em Kazan também foi uma mulher. Etiene Medeiros havia traçado um plano pessoal de atingir três provas finais e só conseguiu uma, mas obteve nos 50m costas a primeira medalha da natação feminina do Brasil em um Mundial. Para 2016, o foco dela será um trabalho de fundo emocional.
“Acho que foi uma boa divisão de provas durante o Mundial e foi uma boa competição para depois do Pan-Americano. Saio daqui fortalecida, mais madura. É gratificante estar aqui, mas estou em busca de resultados mais expressivos”, disse a brasileira. “Uma coisa que eu tenho de melhorar é meu humor durante a competição. Oscila muito, e isso afeta um pouco”, completou.
Bruno Fratus quer reconstruir início de prova
“A largada dele simplesmente não é competitiva”. Assim, de forma dura, o técnico Brett Hawke, que treina Bruno Fratus na Universidade de Auburn, definiu o principal desafio para os próximos meses.
Fratus conquistou a medalha de bronze nos 50m livre do Mundial de Kazan e nadou a prova em 21s55. Para Hawke, o desempenho poderia ter sido melhor se o ele não tivesse de compensar o início ruim: “Ele quebra a linha do corpo quando entra na água, e isso gera resistência. É como se parasse de nadar e tivesse de começar de novo”.
O técnico tem um projeto de 12 meses para reconstruir o início de prova de Fratus. Ele espera mostrar um protótipo do novo estilo no Open de natação marcado para dezembro deste ano, que será a primeira seletiva olímpica do Brasil para a modalidade.
Revezamentos emplacam quatro de seis vagas olímpicas
Os revezamentos do Brasil tinham de ficar entre os 12 primeiros colocados em Kazan para assegurar classificação para os Jogos Olímpicos. O 4x200m livre masculino e o 4x100m medley feminino não conseguiram, e por isso terão de passar por repescagem.
Entre os quatro revezamentos que já têm presença certa na Rio-2016, o mais promissor é o 4x100m livre, que ficou com um quarto lugar em Kazan. O conjunto foi formado por Bruno Fratus, João de Lucca, Marcelo Chierighini e Matheus Santana – Cesar Cielo, recordista mundial da prova, não participou.
A CBDA quer seguir fazendo sessões de treino específicas para esse revezamento a fim de diminuir o tempo de troca entre os atletas. No entanto, também existe uma questão individual: a projeção da entidade é que pelo menos três nadadores terão de fazer os 100m em 47 segundos para brigar por medalha na Rio-2016, algo que nenhum deles conseguiu em Kazan.
Os problemas do Brasil em Kazan. Como evitar que se repitam?
Cesar Cielo: questão é apenas física?
Cesar Cielo foi destronado nos 50m borboleta, prova em que havia conquistado os dois últimos títulos mundiais, e deixou Kazan antes de brigar pelo tetracampeonato nos 50m livre. Foi uma questão física, segundo a CBDA. A discussão em torno do maior nome da natação brasileira, porém, é muito maior do que uma inflamação no ombro esquerdo.
A lesão na Rússia foi o último capítulo de uma preparação atribulada. Cielo trocou de treinador quatro vezes desde os Jogos Olímpicos de Londres-2012 e montou neste ano uma comissão técnica que não é unanimidade na CBDA. A ideia da entidade é fazer uma reunião com o atleta a fim de entender as perspectivas dele para o próximo ano.
E as decepções? Foi apenas cansaço?
Em julho, Jogos Pan-Americanos em Toronto (Canadá). Depois, dois dias no Brasil e uma aclimatação em Rio Maior (Portugal) antes da disputa do Mundial de Kazan, um torneio longo e de altíssimo nível de exigência. Foram muitos os atletas que admitiram que isso interferiu no desempenho.
Outro ponto é que muitos brasileiros fizeram polimento voltado ao Pan, e nem todos conseguiram estender isso até Kazan. “Estou sentindo um pouco de perda de força e ganho de peso. Isso dentro da água faz diferença”, disse Guilherme Guido, que não quis nadar um desempate na eliminatória dos 50m costas no sábado (08) e priorizou o revezamento 4x100m medley, marcado para a manhã seguinte – o Brasil foi o décimo colocado.
Entre os atletas que ficaram abaixo da expectativa em Kazan estão Felipe França (11º dos 100m peito e quarto colocado nos 50m peito) e Leonardo de Deus (nono colocado nos 200m borboleta e 13º nos 200m costas).
“Eu vi uma frase que a nossa desculpa não pode ser maior do que o nosso sonho, mas às vezes as coisas acontecem. A viagem em si de Portugal para cá.... Eu descansei apenas dois dias, com a minha força física, para nadar logo no primeiro e depois nadar em todos os dias. Não favoreceu”, ponderou França.
O polo aquático também ficou aquém do esperado pela CBDA para Kazan. O Brasil terminou no décimo lugar no feminino, que pretendia acabar entre os oito, e no masculino, que sonhava até com uma semifinal.
“O Brasil não entrava na fase final da competição, e para o Brasil é um progresso ter passado. Mas dado o que fizemos antes, esperamos mais agora. Infelizmente, o esporte é isso: de vez em quando, você não consegue jogar tão bem quanto espera”, disse Ratko Rudic, croata que treina a seleção masculina.