! Não é só o ombro: problema de Cielo para Rio-2016 é maior que lesão - 05/08/2015 - UOL Olimpíadas

Vídeos

Não é só o ombro: problema de Cielo para Rio-2016 é maior que lesão

Guilherme Costa

Do UOL, em Kazan (RUS)

A marca de um ano para os Jogos Olímpicos de 2016, que serão realizados no Rio de Janeiro, foi especialmente emblemática para o nadador Cesar Cielo. Acometido por uma inflamação no ombro esquerdo, o brasileiro foi cortado do Mundial de esportes aquáticos de Kazan e deixou a Rússia nesta quarta-feira (05), menos de 48 horas antes de entrar na piscina para defender o tricampeonato dos 50m livre. Decisão alicerçada apenas em questões médicas, segundo a CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos). Entretanto, essa é apenas parte da história de uma crise bem maior. O principal nome do país na modalidade vive uma dúvida inédita em sua carreira e vai ser cobrado por isso em reunião individual na próxima semana, ainda sem data definida – o atleta ainda nem foi avisado.

Para a CBDA, Cielo não teria sido cortado do Mundial se não tivesse priorizado a preparação para os Jogos Olímpicos de 2016. Se fosse apenas um problema físico, o nadador continuaria em Kazan. "Qual é o objetivo principal do atleta? O exemplo do joelho serviu muito para ele. Ele foi para Londres com uma lesão em andamento, e agora o foco é tratar o ombro, independentemente do Mundial, dando segurança para a Rio-2016", explicou Gustavo Magliocca, médico da seleção brasileira.

Além do tricampeonato dos 50m livre (Roma-2009, Xangai-2011 e Barcelona-2013), Cielo faturou o ouro da prova nos Jogos Olímpicos de Pequim-2008 e foi ao topo do pódio dos 50m borboleta em duas edições de Mundiais (Xangai-2011 e Barcelona-2013). O currículo o transformou no principal expoente da natação brasileira e deu liberdade para tomar decisões. Agora, num momento de baixa, essa autonomia começa a cobrar a conta.

Cielo trocou de técnicos quatro vezes desde 2012, por exemplo. No início de 2015, montou uma comissão técnica multidisciplinar para cuidar apenas dele e estabeleceu como foco o Mundial de Kazan. Para isso, criou um cronograma exclusivo, diferente do roteiro seguido por todos os outros nadadores brasileiros, e sequer participou dos Jogos Pan-Americanos de Toronto.

Existe na CBDA uma restrição à comissão montada por Cielo para este ano. A avaliação da entidade, corroborada por pessoas da área, é que o atleta escolheu profissionais muito técnicos, que não pensam em rotinas específicas para necessidades do nado. Além disso, moldou um grupo de perfil permissivo, algo que combina pouco com o estilo extremamente competitivo dele.

Ainda de acordo com avaliação da confederação, Cielo chegou ao Mundial mais magro e menos forte do que o ideal, o que é um problema de preparação para um atleta focado em provas de velocidade.

Cabeça também é um obstáculo
Todos os percalços de preparação mudaram a expressão de Cielo. Naturalmente competitivo e constantemente inconformado com suas marcas, o brasileiro adotou tom resignado e mostrou abatimento nas poucas vezes em que falou em Kazan. No restante do tempo, foi extremamente blindado.

O que preocupa a CBDA é que essa não é a única mudança no caso dele: Cielo é descrito por pessoas da natação como alguém que pensa no esporte em 100% do tempo, mas se casou recentemente e vai ser pai em setembro.

"É um cara que eu conheço desde os 15 anos e que está com 28 agora. É um cara que sempre foi 100% natação, e o compromisso dele era com treinos e competições. Daqui a um mês ele vai ser pai, que é uma situação totalmente nova, no meio de tudo isso acontecendo, com a Olimpíada chegando", ponderou Albertinho, técnico-chefe da seleção. "Eu conheço a vida um pouco mais íntima dele, e hoje a gente pode ver pelo seguinte: ele vai ter filho, casou, e então é uma vida totalmente nova para ele. Toda mudança requer sacrifícios", completou o nadador Felipe França, que é amigo de Cielo.

Por todas as mudanças na vida pessoal, existe na CBDA um medo sobre o foco de Cielo. Sobretudo a partir do momento em que ele percebeu que não seria possível corrigir os erros de preparação a tempo do Mundial de Kazan.

Natação é um esporte individual?
Outro ponto acerca do momento de Cielo é o isolamento. O nadador saiu da vila dos atletas de Kazan sem se despedir de ninguém, por exemplo, e tem contato extremamente remoto com os outros atletas.

A reclusão do principal nome da equipe contrasta com o discurso que a CBDA tem adotado, que é de valorizar o grupo e a preparação equânime dos atletas. O afastamento também teve a ver com a programação pré-Kazan – Cielo chegou ao Mundial sem ter disputado o Pan ou passado pela aclimatação em Rio Maior (Portugal).

"Lógico que o grupo que fica junto 15 dias treinando tem outro envolvimento, mas natação é um esporte bem diferente. Tem coisas que são de grupo e tem coisas que são individuais, e a gente tem de ter um balanço para casar tudo. Tenho certeza que ele, pelo que representa e pela vontade, vai estar integrado ao grupo a partir de quando a equipe for definida para 2016", disse Albertinho.

O afastamento chegou a ponto de comprometer a participação de Cielo. Ele não foi usado no revezamento 4x100m livre, apesar de ainda ser o recordista mundial da distância. O quarteto do Brasil em Kazan, que ficou com o quarto lugar, foi formado por Bruno Fratus, João de Lucca, Marcelo Chierighini e Matheus Santana, mesma escalação que havia sido usada no Pan.

No Troféu Maria Lenk deste ano, disputado em abril, Cielo chegou a falar sobre a necessidade de camps para o revezamento e se mostrou empolgado com a prova. Em Kazan, foi alijado por dois motivos: porque seus tempos não seriam um diferencial e porque a comissão técnica resolveu priorizar o sentido de grupo.

Reuniões de avaliação
A participação da natação brasileira nos Jogos Pan-Americanos e no Mundial será avaliada em reunião marcada para o dia 16 de agosto, no Sesi-SP. Cielo terá um encontro exclusivo e será cobrado. A CBDA já fez pelo menos duas reuniões com o estafe do nadador para demandar evolução e resultados.

Cielo ainda será reavaliado quando chegar ao Brasil, mas a previsão inicial dos médicos da CBDA é que a lesão pode afastá-lo dos treinos por até 12 semanas. A um ano dos Jogos Olímpicos de 2016, o nadador já iniciou uma contagem regressiva. E o físico, que atualmente é o maior problema, está longe de ser o único fator que pressiona o maior nome da natação brasileira.

"Por ser o tricampeão da prova, uma situação inédita para ele e para a natação brasileira, o Cesar entendeu que o Pan não seria a melhor opção pelos deslocamentos todos. Por se tratar do Cesar, da condição que ele mesmo criou para si, foi inteiramente apoiado para fazer esse programa. Se as coisas saíram do jeito que ele e o treinador gostaram, se ele estava se sentindo bem ou não, aí é outra discussão que ele vai ter com o estafe. A CBDA vai acompanhar de perto isso quando voltar ao Brasil", disse Albertinho.

Topo