Judô do Brasil aposta que uma boa noite de sono pode valer medalha em 2016
Bruno DoroDo UOL, em São Paulo
Quando você dorme bem, acorda disposto e o dia rende mais. Pais e mães do mundo todo usam argumentações como essa para convencer os filhos, crianças ou adolescentes, a dormir mais cedo. O judô brasileiro, porém, está usando essa premissa ao máximo, com atletas adultos. Muitos deles campeões. Colocar judocas para dormir bem virou estratégia da Confederação Brasileira da modalidade no caminho das medalhas olímpicas.
Desde 2009 os principais nomes da arte marcial no Brasil participam de um estudo de monitoramento do sono. O primeiro passo foi acelerar processos de aclimatação para as competições-chave da temporada. Agora, distúrbios do sono específicos estão sendo tratados. Tudo para ajudar a melhorar o desempenho esportivo.
“Em um atleta de alto nível, um milhão de fatores influencia o sucesso. Para ser campeão olímpico, tem mais um milhão de fatores em jogo. É difícil atribuir a culpa ou a glória de um resultado em uma só ação. Mas se uma modalidade quiser sair de quatro medalhas olímpicas para seis, é preciso trabalhar em detalhes. E cada detalhe pode fazer uma baita diferença. O monitoramento do sono é um deles”, explica o médico da seleção brasileira, Breno Schor.
O grande exemplo de como esse trabalho pode ser importante é o peso-pesado Rafael Silva. Vice-campeão mundial e medalhista de bronze nos Jogos Olímpicos de 2012, ele começou o ciclo olímpico com um objetivo definido: perder gordura e ganhar músculos. Com uma nova dieta, foi de 170kg para 160kg. O processo, porém, deve ser acelerado quando ele começar a tratar o seu próprio distúrbio do sono: a apneia.
“O Rafael é um atleta muito grande e pesado. E é normal para pessoas assim terem problemas de apnéia. Mesmo tendo muito músculo, ele acaba obstruindo as vias aéreas durante a noite. Nesses casos, a recomendação pode ser o uso de uma máscara, que garante o fornecimento de ar durante toda a noite”, diz Marco Tulio de Mello, especialista no assunto e professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Em parceria com o COB, ele é o responsável pelo acompanhamento dos atletas.
Segundo Breno, dormir melhor vai ajudar o gigante de 2,03m em sua evolução muscular. “O Rafael não tem problema para conseguir dormir, mas tem a qualidade do sono ruim. Isso ficou claro nas análises. Uma coisa que precisa ser levada em conta é que, se o Rafael precisa perder peso e ganhar massa magra, com uma qualidade de sono ruim, terá mais dificuldade. Tratando o distúrbio, esse processo é mais tranquilo”, completa.
Como o sono explicaria a facilidade em perder peso? É só olhar para análises químicas do corpo após noites boas e ruins. A ciência já mapeou que uma noite bem dormida tem cinco fases. Nas três primeiras, o corpo relaxa. Entre a terceira e a quarta, o corpo libera uma série de hormônios responsáveis pela manutenção do corpo. Nessa etapa, os efeitos para os atletas são grandes.
Um dos hormônios liberados é a grelina. A oscilação de seus níveis no corpo é associada à sensação de fome. Quem não dorme bem tem oscilações muito mais rápidas. Quem dorme melhor, tem uma distribuição mais uniforme. Com isso, o sono bom ajuda a manter os níveis normais do apetite - daí a ajuda na perda de peso. Outro hormônio relacionado ao sono é a testosterona. Responsável pela manutenção e crescimento muscular, é liberada nas fases de sono pesado. Por isso, quem tem ciclos de sono interrompidos acaba não recebendo doses suficientes. Com isso, o crescimento muscular é mais lento.
As respostas do cérebro também dependem do descanso. E o quinto estágio do sono envolve justamente isso: é o momento de limpeza cerebral e para a assimilação das memórias do dia. É nele que a cabeça descansa, ajudando, no dia seguinte, em tarefas de concentração e precisão. Na Universidade de Stanford, nos EUA, estudos mostraram que horas a mais na cama – em que os atletas atingiram essa quinta fase do sono - melhoraram o desempenho atlético. Jogadores de basquete foram quase 10% mais precisos em lances livres. Jogadores de tênis acertaram a quadra com uma frequência mais de 40% maior. E nadadores aceleraram suas reações ao tiro de largada em quase 20%.
Tudo isso só ajuda a fazer de casos como o de Rafael Silva uma regra. Até o Rio-2016 (e provavelmente depois disso), será comum entre os judocas o tratamento de distúrbios do gênero, já que a modalidade está em um estágio avançado no acompanhamento das noites de seus atletas. Em 2009, a CBJ iniciou os trabalhos para ajudar na aclimatação às principais competições da temporada. No Mundial de Tóquio, em 2010, por exemplo, a equipe médica conseguiu cortar pela metade o tempo necessário para assimilar as 12 horas de fuso horário entre o Brasil e o Japão. Normalmente, cada fuso horário pede um dia de adaptação. Naquele mundial., com a ajuda de medicamentos e treinos ao sol, esse tempo foi de seis dias.
Desde então, os atletas passaram a ter acompanhamento mais próximo de seus hábitos noturnos. Em palestras, aprenderam técnicas para ajudar a dormir – de ir para cama no mesmo horário, passando por manter o quarto escuro ou ter mais cuidado com a hidratação. O próximo passo foi dado no ano passado: “Já conhecíamos os hábitos dos atletas e sabíamos quem fazia parte de um grupo de risco nessa área. Esses atletas fizeram exames detalhados e agora serão tratados individualmente. Um atleta, por exemplo, apresenta bruxismo, que mantém o maxilar rígido. Outro tem insônia”, avisa Breno.
Os resultados? Não é possível garantir que as medalhas virão. Mas os atletas, ao menos, chegarão bem mais descansados para o momento em que suas forças serão mais necessárias no caminho ao pódio.