Fiscal da Rio-2016 aponta atrasos em projetos e falta de transparência
Vinicius KonchinskiDo UOL, no Rio de Janeiro
A organização da Olimpíada de 2016 ganhou recentemente um atento fiscal: o ministro Augusto Nardes. O gaúcho foi escalado no final do ano passado para acompanhar todos os processos sobre os Jogos Olímpicos do Rio que tramitam no TCU (Tribunal de Contas da União), um dos principais órgãos de fiscalização do governo federal.
Reconhecido por sua rigidez no controle dos gastos públicos, Nardes presidiu o TCU entre 2013 e 2014. Criticou publicamente a falta de compromisso de governantes com o legado da Copa do Mundo de 2014 e, após o fim do Mundial, virou o relator das fiscalizações olímpicas no tribunal.
Debruçado desde dezembro sobre os projetos da Olimpíada, Nardes já percebeu que há muita coisa para se melhorar. Em entrevista ao UOL Esporte, ele apontou falta de transparências nas contas olímpicas e revelou que, devido a atrasos, qualquer imprevisto pode trazer graves problemas à realização dos Jogos no Rio.
Confira abaixo a entrevista concedida por Nardes, via e-mail. Nela, o ministro do TCU comenta o andamento dos projetos da Olimpíada 500 dias antes do evento:
UOL Esporte: Faltando 500 dias para o início dos Jogos, Qual avaliação do TCU sobre o andamento das obras para a Olimpíada de 2016?
Augusto Nardes: De forma geral, foram constatados atrasos no início das construções e adaptações de arenas e instalações esportivas. Mesmo diante desses atrasos, especialmente nas licitações e no início efetivo das obras, existe hoje a previsão de que tudo esteja concluído antes do início dos Jogos. Contudo, essa previsão está bem justa, ou seja, imprevistos representam um risco importante.
UOL Esporte: O TCU já apontou atrasos nas obras do Parque de Deodoro, do Laboratório de Controle de Dopagem e das estruturas de energia para a Olimpíada. Recentemente, o prefeito admitiu um na construção do velódromo. Alguma dessas obras específicas ainda preocupam o TCU?
Augusto Nardes: Existe uma preocupação geral com os cronogramas das obras, cujos prazos estão bastante justos. Existe previsão de conclusão de algumas obras em 2015, ou seja, dentro do prazo para a realização de eventos-teste, e outras, para depois desses eventos. Existe ainda a previsão de conclusão de algumas instalações em datas bastante próximas ao início dos jogos, especialmente no caso dos overlays [estruturas temporárias instaladas no entorno das arenas], que serão desmontadas após os Jogos. O TCU vai intensificar o acompanhamento das obras em 2015.
UOL Esporte: E as obras de legado? A limpeza da Baía de Guanabara, os BRTs, a extensão do metrô ficarão prontas?
Augusto Nardes: As obras classificadas como legado envolvem empreendimentos custeados pelo município e o Estado do Rio de Janeiro, e, por isso, o TCU não atua na fiscalização direta de sua execução. As obras do legado também não constam da Matriz de Responsabilidade, o que dificulta o seu acompanhamento. Contudo, o TCU tem tratado do assunto nas fiscalizações de governança dos Jogos.
UOL Esporte: O Brasil conseguirá cumprir as promessas da candidatura?
Augusto Nardes: No momento, não é possível afirmar se o Brasil cumprirá ou não todas as promessas feitas na candidatura. Em alguns meses, será possível obter uma avaliação mais fundamentada. Estou otimista de que o Brasil mais uma vez demonstrará ao mundo sua capacidade em organizar de grandes eventos.
UOL Esporte: De forma geral, qual o maior problema da Olimpíada do Rio? Demora no início das obras, projetos falhos ou risco de sobrepreços?
Augusto Nardes: Creio que são os problemas de planejamento e de projeto das obras, os quais já causaram atrasos. Tudo isso que deixou os executores sem muita margem para novos adiamentos. Ou seja, não temos margem para imprevistos. Além disso, o Tribunal tem identificado que a coordenação das ações para a realização dos Jogos precisa ser reforçada. Já fizemos determinações nesse sentido à APO (Autoridade Pública Olímpica).
UOL Esporte: O que o TCU acha da Matriz de Responsabilidade da Olimpíada? É correto, a 500 dias para os Jogos, o Brasil não ter divulgado uma previsão de custo de 25% dos projetos essenciais?
Augusto Nardes: O TCU é incansável em alertar os entes responsáveis pela organização dos Jogos Olímpicos a respeito da falta de informações mais detalhadas na Matriz de Responsabilidade. Consideramos esse fato como uma impropriedade a ser corrigida. O TCU já fez determinações à APO para que sejam disponibilizadas informações como descrições dos projetos, pesquisas de preço, contratos, percentual de execução de cada obra, etc.
UOL Esporte: Como o TCU avalia a transferência de responsabilidades do Comitê Rio-2016 para governos? Há risco de nunca sabermos o que deveria ter sido pago pelo Comitê e acabou sendo pago com dinheiro público?
Augusto Nardes: O TCU está acompanhando essa questão, especialmente em função da possibilidade de a União vir a arcar com déficits operacionais do Comitê Rio-2016. Essa cobertura do possível resultado deficitário do comitê é algo que me preocupa. O TCU já fez recomendações à Casa Civil da Presidência da República para que sejam definidas diversas questões referentes a esse eventual déficit. Não deixaremos que a sociedade brasileira desconheça o quanto foi gasto para viabilizar a realização dos Jogos Olímpicos.
UOL Esporte: Como o TCU avalia a transparência do Comitê Rio-2016? O órgão já foi cobrado pelo TCU para que apresentasse folhas de pagamento, mas não obedeceu. O órgão tem colaborado?
Augusto Nardes: Quanto à questão da transparência, eu diria que o Comitê Rio-2016 precisa aperfeiçoá-la bastante.
UOL Esporte: Há uma indefinição de quem vai administrar as arenas olímpicas após o final dos Jogos. Corremos risco de termos "elefantes brancos"?
Augusto Nardes: De fato, ainda há certa indefinição acerca do uso de arenas e instalações após os Jogos. O TCU tem tratado do assunto dentro dos exames da estrutura de governança dos Jogos. Já fez determinações ao Ministério do Esporte para que seja feito um planejamento específico e seja dada maior transparência quanto ao legado, com a identificação do ente (público ou privado) que ficará responsável por cada empreendimento, os custos previstos de manutenção, a finalidade de utilização após as competições e os benefícios esperados.
UOL Esporte: Que erros cometidos na Copa estão se repetindo na Rio-2016? E quais já estão sendo evitados?
Augusto Nardes: No Brasil, em geral, temos um problema de governança. Faltam mecanismos adequados de planejamento e execução de projetos. Esses problemas ocorreram nos preparativos para a Copa do Mundo, repetem-se na Rio-2016 e irão se repetir caso o país não dê a ênfase necessária às ações voltadas para a melhoria da governança do setor público.