Autoridade expõe brecha pra doping no país: só 20% dos atletas são testados
Gustavo FranceschiniDo UOL, em São Paulo
O número de casos de doping no esporte brasileiro cresce desde 2009. Não é por acaso. Em 2012 a Wada (Agência Mundial de Controle Antidopagem) já previa isso pelo fato do país ser sede olímpica. Com uma enorme responsabilidade pela frente, o país precisa modernizar-se no combate ao uso de substâncias proibidas, o que expõe a defasagem que o sistema sofria anteriormente. Homem-forte da ABCD (Associação Brasileira de Controle de Dopagem), Marco Aurélio Klein deixa claro o tamanho do buraco que o combate ao doping do país.
“Levantamos tudo que havia sido feito nos últimos dois anos. Pegamos 2012 e 2013, com números e tudo que foi feito no Brasil, modalidade por modalidade. Quem testou e que tipo de análise foi feita. Olhamos o que foi teste em competição e o que foi fora. Nós vimos que, de uma base de 4995 atletas dos programas olímpico e paraolímpico, mais de 80% nunca haviam feito nenhum tipo de controle antidoping”, disse o secretário Klein, em entrevista ao UOL Esporte.
O panorama está sendo modificado pela ABCD, mas só entrará em patamares adequados quando o LBCD (Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem, antigo Ladetec) foi recredenciado pela Wada. A expectativa é que isso ocorra em maio, se tudo correr como planejado. Com equipamentos de primeiro mundo e sem o custo de ter de enviar amostras para análise no exterior, a autoridade poderá implantar seu planejamento.
Klein explica, na entrevista, que quer fazer 2,5 mil testes ainda em 2015, a maioria fora de competição, quando o atleta tem mais dificuldade para burlar a análise. Nos EUA, por exemplo, 80% dos testes feitos são nessas condições, segundo o secretário. O mesmo Klein revela que, no Brasil, só dois exames nesse formato foram realizados em 2012 e 2013.
Veja a entrevista completa abaixo:
UOL Esporte: Em que pé está o recredenciamento do LBCD, antigo Ladetec, que perdeu o selo da Wada em 2013?
Klein: Há esse recredenciamento. É um processo dentro de um cronograma. O credenciamento anterior foi revogado em setembro de 2013. Nós fomos à Wada em Montreal para debater como poderia debater o processo de recredenciamento. Os processos geralmente são longos, de cinco, seis anos. Hoje são só 32 laboratórios credenciados no mundo. O nosso vai ser o 33º. Nesse caso, o nosso seria o laboratório para os Jogos Olímpicos, e isso significa circunstâncias especiais. Nos Jogos Olímpicos você tem 24h para fazer análises. Em 15 dias, Londres teve 5 mil análises. É quase o que um laboratório faz por ano. Quando aprontamos o novo prédio em que ele foi instalado, tivemos sinal verde para começar o processo, que pode terminar em oito meses.
Teve um pré-probatório em que a Wada mandou para o laboratório um certo número de amostras para que ele as testasse. Era uma espécie de vestibular e o laboratório passou. Aí vem uma programação de quatro lotes de amostras para análise e três visitas de auditoria. Dessas quatro amostras, o laboratório já fez três. Passou em todas. Das três visitas de auditoria, ele passou em duas. Falta uma visita e um lote. Isso vai acontecer agora na metade final de março. Deste resultado sai um relatório que, até esse momento, isso dito pelo diretor científico da Wada, indica que foi muito bem. Caminha para o recredenciamento. Esse relatório será apresentado ao Comitê Executivo da Wada, que se reúne no fim de maio. Se a aprovação acontecer, ele estará acreditado já em junho.
UOL Esporte: Em 2012 já chamava a atenção o número de atletas brasileiros pegos com doping. A Wada entendia isso como uma evolução natural pelo fato do país ter virado sede olímpica. Como vocês combatem isso?
Klein: O Brasil, lá atrás, não tinha organização nacional antidopagem, o que passou a ter com a ABCD. É uma exigência para você receber os Jogos ter uma organização nacional antidopagem independente do COB. O nosso planejamento começou em 2014 com capacitação. Tivemos jornadas de formação de agentes antidopagem. Bati na porta da Wada e perguntei: ‘Quem são as melhores agências para eu pedir ajuda na formação?’. Fizemos acordo de cooperação com os EUA. Em paralelo a isso, nós trabalhamos na preparação do nosso plano de distribuição de testes
UOL Esporte: Vocês têm um levantamento de quantos atletas no Brasil foram pegos desde 2012, por exemplo?
Klein: Em paralelo a isso, nós trabalhamos na preparação do nosso plano de distribuição de testes. E aí isso significou olhar um documento que estabelece padrões mínimos de tipo de análise. Uma coisa é você fazer a coleta, a outra é saber o nível de controle você vai ter sobre aquela amostra. Tem uma investigação mais básica e outras coisas que são mais caras e sofisticadas, como análise de ETO. Tem documento da Wada que vai te dar um padrão e dizer quantos % devem ser feito de análise disso e daquilo. Levantamos tudo que havia sido feito nos últimos dois anos. Pegamos 2012 e 2013, com números e tudo que foi feito no Brasil, modalidade por modalidade. Quem testou e que tipo de análise foi feita. Olhamos o que foi teste em competição e o que foi fora. Nós vimos que, de uma base de 4995 atletas dos programas olímpico e paraolímpico, mais de 80% nunca haviam feito nenhum tipo de controle antidoping. Agora, quando o laboratório for recredenciado, nós estimamos cerca de 2500 testes em 2015.
UOL Esporte: Dentro desses dados que vocês levantaram, vocês identificaram o número de casos no país. Está exagerado ou dentro do aceitável para um país do porte do Brasil?
Klein: Aceitável é zero. É a minha meta. Quando tenho um positivo eu tenho de pensar onde que eu tenho de trabalhar mais para que não aconteça. E às vezes pode ter uma substância que indica que não é doloso. Uma coisa é o cara da ponta, que tem acesso a tudo. A outra é aquele atleta que é pego por usar uma medicação sem conhecimento, por exemplo. É preciso avaliar a qualidade desse muito ou pouco.
UOL Esporte: E como se combate isso?
Klein: De um lado tem o conhecimento. Vamos levar para mais pessoas as informações do que é doping, o que ele pode usar e o que não pode. Por outro lado, vamos tentar conscientizar os atletas, principalmente os atletas de ponta, que hoje estão no programa Bolsa Pódio. Esse grupo de possíveis medalhistas vai ser trabalhado de perto. Não tem nada pior para o país que ganhar uma medalha em um dia e perder no outro por doping. Nós vamos organizar uma palestra do Tyler Hamilton, que é um ciclista que era da equipe do Lance Armstrong e conta como perdeu tudo com isso. É para mostrar aos nossos atletas que o caminho do doping não leva a nada.
UOL Esporte: Hoje, grandes competições do país, como Superliga e NBB, não fazem exame antidoping por conta dos custos. A partir do recredenciamento do laboratório brasileiro, como isso vai ficar?
Klein: Nós já estamos nos reunindo com as entidades organizadoras para resolver isso e temos tido avanços. É uma obrigação ter controle de dopagem. A ACBD tem jurisdição para exigir isso e vai fazê-lo a partir do recredenciamento do LBCD. A ABCD pode, inclusive, escolher quais atletas testar.