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Cuecas da sorte renderam medalhas a Hoyama. Mas ele tem muito mais a contar

Flavio Florido/UOL
Hoyama comemora após vencer argentino e conquistar ouro por equipes no Pan de 2011 imagem: Flavio Florido/UOL

Bruno Doro

Do UOL, em São Paulo

Em 2011, Hugo Hoyama conquistou sua décima medalha de ouro em Jogos Pan-Americanos usando um amuleto da sorte: sem poder usar o símbolo do Palmeiras, o clube do coração, no uniforme, ele admitiu que estava usando cuecas com as cores do clube embaixo do uniforme da delegação brasileira. Era a segunda vez que ele fazia isso: a primeira, quatro anos antes, tinha rendido também um ouro, por equipes, no Pan-Americano do Rio de Janeiro.

“Aquele ouro no Rio foi o mais especial da minha carreira. Meu pai estava no ginásio, as arquibancadas estavam lotadas, todo mundo gritando. Quando eu ganhei, corri para a torcida. Abracei meu pai. É uma cena que nunca vou esquecer”, conta o atleta.

Quem olha para Hoyama aos 45 anos vê um rosto que quase não mudou desde 2007. O sorriso fácil e a simpatia estão lá. Ele ainda é o recordista do Brasil em medalhas de ouro pan-americanas (com dez títulos e outros cinco pódios). Atualmente, porém, ele é muito mais do que isso. Em quatro histórias, veja como o atleta tímido que estreou no Pan de Indianápolis, em 1987, se tornou o técnico campeão mundial (da segunda divisão) em 2014.

Início de carreira: o primeiro Pan e a injeção no bumbum
Você conhece Benzetacil? O Hugo de 1987 nunca tinha ouvido falar do medicamento. E escapou por pouco de perder o Pan por causa dele. “Era meu primeiro Pan e eu tinha 18 anos. Era tímido e ficava muito fechado, só falava com o pessoal do tênis de mesa. Ficava meio enclausurado mesmo. Até queria conhecer as pessoas, mas tinha vergonha”, conta. Depois de seu último jogo, quando ele teria mais tempo para viver o clima de Pan. A Benzetacil, no entanto, entrou em ação.

“Eu fui eliminado nas quartas de final do torneio individual. Já estava sentindo uma dor no peito e resolvi procurar o médico da delegação. Não era nada sério, era muscular. Mas ele examinou e disse que precisaria de uma injeção de Benzetacil. Eu não tinha a menor ideia do que era e falei que não tinha problema. Mas descobri que era no bumbum. Quando o remédio começou a ser injetado, eu reclamei: 'Doutor, mas isso está doendo muito'. Ele disse que era assim mesmo. Mas doía tanto que eu comecei a chorar... O pior é que já tinha terminado de competir, não precisava mais disso. Hoje, iria para a fisioterapia, para a massagem, encararia uns 'choquinhos' e pronto. Com a Benzetacil, fiquei o dia inteiro sem conseguir andar, todo travado. Se tivesse que jogar de novo, não teria conseguido”.

Reprodução de TV
Hoyama e a cueca: campeão pan-americano mostra o "amuleto" em programa de TV imagem: Reprodução de TV
Persistência: treinando com os dedos verdes da colheita
Em 1989, Hugo Hoyama já era campeão pan-americano por equipes, mas a carreira corria riscos. “Eu estava perdendo muito. Sempre parava na semifinal. No quinto campeonato seguido, cheguei em casa e meu pai perguntou como tinha sido. Eu disse: 'Perdi na semifinal'. Peguei meu carro e sai. Quando voltei, ele disse: 'Como você não está nem aí para o resultado, como ganhar ou perder tanto faz, não tem problema. Você vai ter de ir para a chácara, trabalhar até a hora do almoço e só depois vai treinar'. Pensei que seria tranquilo, iria trabalhar um pouco, treinar um pouco”.

Hugo, porém, estava enganado. Seu pai, Kendi, o colocou para trabalhar com as mãos na terra, colhendo os legumes que eram produzidos, ao lado dos demais funcionários. “Todo dia, eu acordava às cinco da manhã, saia de casa às seis e iniciava a lida. Era enxada na mão, facão para cortar os legumes, era trabalho duro. Colhendo verduras com o pessoal. Por dois meses. Foi um castigo e tanto”, lembra.

Foi por pouco tempo, mas até hoje ele se lembra da parte mais complicada: colher abobrinhas. “Eu tinha pesadelo quando era hora de colher as abobrinhas. Eu chegava ao treino com a mão toda verde de encaixotar os legumes. E abobrinha tem aqueles pelinhos. Eu ficava sentido aquilo no treino, em casa, quando chegava para descansar. Eu precisei ganhar um campeonato para acabar com isso. Foi um Paulista. Mas quando ganhei, meu pai disse: 'Você vai voltar a treinar sempre. Mas toma cuidado'. Dois anos depois, Hugo provou que a lição tinha sido aprendida: era campeão latino-americano e medalhista de ouro (no individual) pan-americano.

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Hoyama mostra a sua credencial para Londres-2012, sua sexta participação em Olimpíadas imagem: Reprodução/Facebook
O adeus: um quarentão mudando conceitos do técnico francês
De 1991 a 2012, Hoyama acumulou conquistas atrás de conquistas. Principalmente em Jogos Pan-Americanos. “Olimpíada é o maior evento do mundo esportivo, mas eu tenho os pés no chão. Deixei escapar a minha chance em Atlanta, em 1996 (quando venceu um campeão olímpico, mas foi eliminado nas oitavas de final). Sempre soube que as chances eram maiores no Pan. Tudo bem, é um torneio só das Américas e o nível não é igual, mas mostra que temos capacidade. Disputei sete Pans e somente em um, em 1999, em Winnipeg, não consegui uma medalha de ouro. Não existe muita gente, em qualquer esporte, que consegue se manter nesse nível por tanto tempo. Ainda mais com os outros países investindo como fazem, trazendo jogadores estrangeiros. Não fico chateado quando falam que sou atleta de Pan. Sou mesmo. Mas são resultados importantes. Tenho certeza que muitos atletas começaram a praticar o tênis de mesa pelo que a minha geração conquistou no Pan. É um caminho. Essas conquistas são a base para sonharmos com uma medalha olímpica”.

Mesmo assim, em 2009, quando o técnico francês Jean-René Moussai foi contratado, sua intenção era renovar a equipe. E isso queria dizer adeus para o quase quarentão Hoyama. “Quando o Jean-René chegou à seleção, eu tinha 40 anos. E é óbvio que um técnico que vem de fora olha para um jogador de 40 anos com desconfiança. Não que ele tenha tentado me tirar na deslealdade. Mas ele impôs alguns desafios para que eu continuasse. Não foi para me ferrar. Foi para me desafiar”.

O veterano conseguiu responder com talento. “Eu mostrei que, mesmo essa idade, jogando no mesmo estilo há 30 anos, podia fazer as mudanças que ele queria. Mudei porque sabia que era para o bem da seleção. E ajudei o Brasil a conquistar vários bons resultados. Agradeço a ele até hoje”.

Esse início de relação de confronto gerou uma amizade que perdura: Jean-René se tornou uma espécie de mentor de Hoyama, que ainda está dando seus primeiros passos como técnico. “Sou técnico da seleção como ele, mas ele tem muito mais experiência na função. Então, me ajuda bastante. Eu tenho experiência de jogo e passou isso para as meninas. Mas quando é hora de fazer programação de treinos, evolução física, ainda sou muito cru. Ele sempre dá uma força”.

Washington Alves/Inovafoto/COB - Reprodução Ministério do Esporte
Depois de 26 anos defendendo o Brasil no tênis de mesa, Hugo Hoyama migra para a função de treinador. Ele já tem um título mundial no currículo com a nova função imagem: Washington Alves/Inovafoto/COB - Reprodução Ministério do Esporte
Novo ciclo: aprendendo a dar broncas nas meninas
Em 2012, Hoyama parou de jogar pelo Brasil, mas não encerrou seu ciclo com a seleção brasileira. Simplesmente mudou de função: ainda jogando por São Bernardo, desde 2013 ele é, também, técnico da seleção feminina – na masculina, o posto ainda é do francês Jean-René.

“A transição da quadra para ser técnico foi bem complicada. Principalmente no começo. Antes das Olimpíadas de Londres eu já tinha diminuído o ritmo de treinamento. Em janeiro de 2013, assumi a seleção feminina. Começar a dar treino não foi tão difícil. Aqui, em São Bernardo, eu já fazia isso. Trabalho com a Gui Lin (chinesa que foi naturalizada em 2012 e disputou as Olimpíadas) desde 2010. Mas quando fui com elas para a primeira competição, em março de 2013, no Latino-Americano de El Salvador, veio a saudade. Assim que chegamos, as meninas foram para o ginásio, fazer o reconhecimento do local, aquecer um pouco. Naquele dia, deu vontade de pegar a raquete e começar a treinar. Foi ali que coloquei na cabeça que a minha missão já era outra”, conta.

O maior problema foi lidar com a mudança de relacionamento com as atletas. Antes colega, ele agora é o técnico. Saíam as brincadeiras, chegava a hora das broncas. “Até hoje, brinco muito, mas quando preciso ser bravo, eu sou. Nesse período, aprendi como lidar com mulheres. Uma bronca tem de ser dada de forma diferente em cada pessoa. Com os homens, você pode chamar mais a atenção. Com as meninas, precisa ter mais cuidado, porque elas podem não aceitar tão bem. Não que eu não dê bronca. Eu dou. Dou bronca todo dia. Só tomo cuidado para não humilhar ninguém”.

No ano passado, ele era o técnico do time que foi campeão mundial da segunda divisão, conquista que deu vaga para o Brasil na elite do esporte. “Antigamente, o masculino tinha muito mais aceitação e investimento. Os atletas ficavam mais tempo fora. Agora é que as meninas começaram a fazer isso. A Jéssica (Yamada) está há três anos na França. A Carol (Kumahara) está viajando direto, treinando na China, na Europa. A Gui Lin, vai jogar na Áustria a partir de agosto. A Bruna (Takahashi) e a Letícia (Nakada) ainda são jovens, mas estão disputando todos os torneios do circuito juvenil. O título mundial deu uma motivação. Elas começaram a investir. Não só dinheiro. Mas emocionalmente. Jogar, jogar, jogar e não conseguir resultado é duro. Eu entendo. Mas isso começou a mudar e a seleção feminina está crescendo”. Se depender do histórico do técnico, esse crescimento será dos mais duradouros.

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