Defensoria dá aval a demolição, e Rio remove bairro por Olimpíada
Taís Vilela e Vinicius KonchinskiDo UOL, no Rio de Janeiro
A Vila Autódromo está em processo de remoção. O bairro, que surgiu ainda na década de 1960 ao lado de onde hoje está sendo construído o Parque Olímpico da Rio-2016, já teve 127 casas demolidas e perde cerca de dez famílias por dia. Todas elas estão deixando suas residências para abrir espaço para obras de preparação da capital fluminense para a Olimpíada. Moradores, inclusive, estão saindo de suas casas com o aval da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, órgão que até o mês passado brigava na Justiça para que a Vila Autódromo não fosse afetada pelo projeto olímpico carioca.
A “autorização” da Defensoria, aliás, é parte fundamental do processo de remoção da Vila Autódromo. Foi o próprio órgão que solicitou à Justiça a revogação de uma liminar que impedia a demolição de todas as casas do bairro. Curiosamente, tinha sido a própria Defensoria que havia aberto o processo judicial e obtido a decisão que evitou o início da remoção de famílias do entorno da obra do Parque Olímpico.
A mudança de atitude da Defensoria chamou a atenção de moradores da Vila Autódromo. Hoje, famílias que não querem deixar o bairro reclamam que o órgão, que deveria defendê-los, os abandonou. Mais do que isso, ele abriu a possibilidade para a divisão da comunidade, que por cerca de 40 anos lutou unida por sua existência, mas que agora ruma para extinção.
"A prefeitura já veio aqui e disse que eu tenho que sair, mas eu não quero", afirmou Vania Cristina Monteiro, 30 anos, desempregada. "Moro em cima da casa da minha mãe, que quer mudar. Se eu não sair daqui, ela não pode ir."
“Eles conseguiram. O bairro se dividiu”, completou Terezinha Barbosa da Silva, 77 anos, com ares de resignação. Ela mora na Vila Autódromo há 32 anos e não tem vontade de deixar a casa que ela mesma construiu. Segundo a Prefeitura do Rio, Terezinha e todos que quiserem podem permanecer no bairro. Ela, entretanto, já não acredita nessa possibilidade. “Depois que demolirem a casa dos meus vizinhos, o que vou fazer aqui? Vou ter que sair também.”
A reclamação de Terezinha foi endossada nos últimos dias por diversas entidades e movimentos sociais. Cartas abertas assinadas por ativistas, urbanistas e advogados condenaram o fato de a própria Defensoria Pública do Rio ter ido à Justiça para derrubar a liminar que ela havia solicitado para defender o interesse dos moradores da Vila Autódromo. Todos reclamaram da ingerência política do chefe do órgão, o defensor público geral Nilson Bruno Filho, na atuação da Defensoria.
“Nós, juristas, profissionais, estudantes de direito e membros da sociedade civil somos a favor de uma Defensoria Pública autônoma e participativa e, veemente, contra a atuação do defensor público geral em relação aos casos que dizem respeito às comunidades que estão sob ameaça de remoção”, registrou um manifesto assinado por membros da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), MPF (Ministério Público Federal) e outras entidades e associações.
Procurada pelo UOL Esporte, a Defensoria não se pronunciou sobre as manifestações contra a sua atuação no caso da Vila Autódromo. O órgão, por meio de sua assessoria de imprensa, só informou que solicitou à Justiça a revogação parcial da liminar que ela havia obtido a pedido dos moradores do bairro que desejam sair de lá, como quer a prefeitura.
Remoção “voluntária”
De acordo com a SMH (Secretaria Municipal de Habitação), das 583 famílias da Vila Autódromo, 452 manifestaram seu desejo de mudar. Elas podem transferir-se para um apartamento de um conjunto habitacional recém-construído, o Parque Carioca, ou receber uma indenização da prefeitura para deixarem suas casas. Todas que aceitarem sair, porém, devem autorizar a demolição de suas antigas moradias.
Quem já se mudou do bairro diz estar satisfeito. Apesar disso, respeita a opção de quem resolveu ficar por lá e lamenta a divisão da Vila Autódromo. “Eu estou muito feliz. Nunca tive casa como essa”, afirmou Caroline Tatiane Dudzic, 37 anos, encantada com o imóvel de três quartos, sala e cozinha trocado um casebre construído nos fundos da casa de sua mãe. “Para mim, a Olimpíada foi uma maravilha, mas respeito quem quer quis ficar na vila.”
Jairo Cezário da Silva, 52 anos, bem que queria ficar, mas acabou resolvendo sair. Ele morou na Vila Autódromo por mais de 20 anos e não sabe se conseguirá acostumar-se com a vida num apartamento. Apesar disso, ele já não vê mais futuro para ele e sua família na Vila Autódromo. “Governo nunca fez nada pela gente daqui. Agora é que não farão mesmo”, disse. “O que resta é mudar.”
Remoções no Rio
A SMH informou que a remoção da Vila Autódromo é a única ligada à realização da Copa do Mundo de 2014 e à Olimpíada de 2016. De acordo com o órgão, nenhum outro reassentamento foi ou será causado pelos megaeventos esportivos.
Segundo o Dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Rio de Janeiro, contudo, o número de famílias do Rio já removidas ou ameaçadas por remoções supera 8 mil. O documento foi divulgado em 2013. Segundo o dossiê, 500 famílias terão de deixar a Vila Autódromo. A SMH diz que serão 280.