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Efeito pandemia? Nunca houve tanto carinho entre rivais como em Tóquio-2020

Mutaz Essa Barshim, do Catar, e Gianmarco Tamberi, da Itália, dividiram o ouro do salto em altura  - Ramsey Cardy/Sportsfile via Getty Images
Mutaz Essa Barshim, do Catar, e Gianmarco Tamberi, da Itália, dividiram o ouro do salto em altura Imagem: Ramsey Cardy/Sportsfile via Getty Images

Denise Mirás

Colaboração para o UOL, de São Paulo

04/08/2021 04h00

Não sei se foi a pandemia, que deixou todo mundo mais sensível, ou se devemos ao OBS (Olympic Broadcasting Services), que prometeu tecnologia capaz de promover uma "proximidade" total do espectador com os atletas do outro lado do mundo, mas nunca se viu uma edição olímpica tão carinhosa. Câmeras rodeiam e congelam movimentos em tempos diferentes e ângulos dos mais inusitados, como se entrássemos no filme "Matrix", e chegam ao fundo do olho naqueles momentos talvez mais importantes da vida de alguém. Acabamos nos intrometendo entre abraços emocionados de adversários.

(Se bem que as câmeras também podem mostrar cera no ouvido de alguns - e aqui me vejo procurando emoji para acentuar que estou brincando (!), que a gente vai pulando de emoção em emoção até a vontade de rir...)

Em Olimpíadas passadas, o que se via eram posturas mais rígidas e mais sérias, poucas de manifestações tão explícitas como em Tóquio-2020.

É isso: com essas cada vez mais poderosas lentes, que às vezes me fazem pensar se no futuro os grandes eventos dispensarão público e jornalistas in loco, é possível ver estas Olimpíadas como das mais carinhosas. É!

A felicidade de confrarias, como da ginástica, extrapolou da intimidade das equipes de cada país para uma onda envolvendo todos os participantes, com todos os atletas se dando força, sentindo a dor de lesões uns dos outros, prontos para um tapinha sem graça que seja, olhos de apreensão ou felizes por trás das máscaras pelo sucesso de cada um ao terminar seus exercícios.

Dor de cada um

Um ponto fora da curva foi Simone Biles recebendo apoio - que ultrapassou carinho - de atletas de vários esportes, por ter revelado algo que muitos passam e talvez não revelem nem para si mesmos. A brasileira Flavinha Saraiva deu uma pista, uma pincelada apenas (e também talvez), do medo dos riscos do esporte e da pressão que um atleta pode sentir. Foi quando lembrou que "Biles tem voz para falar isso" e mencionou o apoio (que pode na verdade ser o peso) de COB, CBG, patrocinadores, país...

Falou da dor (física mesmo) que sente. E, com a voz tremendo, foi fundo: "Sei o que ela [Biles] passou, porque já aconteceu comigo". Revelou que "não importa a idade, não importa o momento. É assim, do nada, vai mais além do mental, é uma coisa que não tem controle. Você sabe fazer o movimento, só que na hora te dá um branco. Ou então você está fazendo o movimento e na hora sua cabeça para. Isso vai mais além, é perigoso. A gente não pratica um esporte fácil. Tem risco e o risco não é bobo. É risco de vida, você pode se machucar, acabar com sua carreira que construiu durante anos".

Tóquio-2020 começou, antes da cerimônia de abertura, explicitando que haveria demonstrações de empatia - e apoio político - nestes Jogos. Assim foi, com as seleções femininas do futebol ajoelhando no gramado (gesto de protesto contra o racismo ainda de 2016, que surgiu nos Estados Unidos). Segundo o jornal inglês The Guardian, o Comitê Olímpico Internacional (COI) e o Comitê Organizador (TOCOG) proibiram suas redes sociais de publicar fotos e vídeos.

Imagens marcantes

O Momento do Atleta, com medalhistas falando por vídeo com familiares antes mesmo de sair da pista do Estádio Olímpico, aumenta a sensação de aconchego - e deve ter sido pensado por causa da pandemia. Mas provavelmente será incorporado nas próximas edições dos Jogos Olímpicos, assim como o "estranho" merchandising admitido pelo próprio COI, no fundo do corredor durante a apresentação dos finalistas de cada prova do atletismo.

Estranho mesmo, porque o COI veta (vetava?) qualquer publicidade nos locais de competição e mantém hordas correndo atrás de marketing de emboscada, principalmente em uma prova de rua como a maratona, onde marcas tentam pendurar referências em árvores, postes, o que seja, para aparecerem nas transmissões ao vivo.

Além das imagens de chegadas, muitas delas com campeões absolutamente atônitos por recordes mundiais, o atletismo mostrou o italiano Gianmarco Tamberi alucinado, aos pulos, pendurado no catari Mutaz Essa Barshim que concordou com a divisão do ouro do salto em altura e sorria, até sem saber como agir (depois, o italiano divulgou carta ao amigo agradecendo apoio em um momento passado, quando se encontrava deprimido).

Martine Grael e Kahena Kunze, velejadoras bicampeãs olímpicas - Phil Walter/Getty Images - Phil Walter/Getty Images
Martine Grael e Kahena Kunze, uma pela outra na conquista do segundo ouro olímpico na vela
Imagem: Phil Walter/Getty Images

A tevê mostra competidores sorrindo e até conversando durante prova mais longa, assim como a montanha de gente na arquibancada sumindo com Alison dos Santos, o Piu, no abraçazo depois dos 400m sobre barreiras.

E ainda a alegria transbordante de Rayssa Andrade, do skate street, e suas companheiras de prova... No skate park, cada uma que terminava a prova era abraçada pelas outras — que até carregaram Misugu Okamoto, japonesa primeira do ranking, quando errou na última volta e terminou em quarto lugar.

Misugu Okamoto: erro na última volta e animada pelas rivais - Jamie Squire/Getty Images - Jamie Squire/Getty Images
Misugu Okamoto, skatista do Japão, carregada pelas adversárias
Imagem: Jamie Squire/Getty Images

E o DJ do vôlei, escolhendo músicas-tema antes do saque de cada jogador? Chegou ao requinte de colocar Sweet Caroline, que o técnico Renan dal Zotto citou como preferida, ao sair do hospital e da luta pela vida contra a covid-19.

E, sim, são as Olimpíadas da pandemia, mas não apenas.

Renan dal Zotto, técnico da seleção masculina de vôlei - Gaspar Nóbrega/COB - Gaspar Nóbrega/COB
Técnico Renan Dal Zotto, da seleção masculina de vôlei, ganhou música preferida do DJ
Imagem: Gaspar Nóbrega/COB