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Com presidente afastado, briga por poder no taekwondo vira caso de polícia

Duelo do taekwondo nas Olimpíadas do Rio - Reuters
Duelo do taekwondo nas Olimpíadas do Rio Imagem: Reuters

Daniel Brito e Guilherme Costa

Do UOL, em Brasília e em São Paulo

28/12/2016 06h00

Virou caso de polícia a disputa de poder na CBTKD (Confederação Brasileira de Taekwondo), cujo presidente, Carlos Fernandes, foi afastado pelo Ministério Público em 24 de agosto deste ano – três dias depois do encerramento dos Jogos Olímpicos realizados no Rio de Janeiro, portanto. A saída do mandatário escancarou uma cisão na cúpula da entidade, com direito a relatos de ameaças, coação, invasão, conluio e ocupação ilegal de cargos. Funcionários foram demitidos por uma das partes e readmitidos por outra, e ambas as decisões geraram críticas do lado contrário. José da Mota Leal Filho, secretário-geral nomeado antes da queda de Fernandes, levou o caso a uma delegacia do Rio de Janeiro na última quinta-feira (22) e registrou boletim de ocorrência.  

Ex-presidente da Federação de Taekwondo do Rio de Janeiro, Fernandes assumiu a CBTKD em 2010 e conseguiu reeleição para seguir até 2017. No entanto, foi afastado precocemente por ter virado alvo da Operação Nemeus, conduzida pela Polícia Federal para investigar desvio de verbas públicas em entidades esportivas nacionais – a instituição comandada por ele integrava esquema de fraude envolvendo a empresa SB Marketing e Promoções.

Fernandes chegou a tentar articular uma mobilização para seguir no cargo – fez uma reunião com aliados políticos, por exemplo. Em setembro, foi notificado pela Justiça do Rio de Janeiro. Também foi afastado o vice-presidente eleito, José dos Santos, que era o imediato na linha sucessória da CBTKD.

Por que há dois grupos que pleiteiam o comando da CBTKD

Aí começou a celeuma sobre a gestão da entidade: José dos Santos recorreu da decisão e aproveitou o período de tramitação judicial do pleito para fazer mudanças na CBTKD. Demitiu José da Mota Leal Filho e nomeou Rogaciano Filho para a secretaria geral da entidade, por exemplo.

A indicação de Rogaciano, contudo, nunca foi registrada. Segundo José dos Santos, isso aconteceu por conluio de funcionários – a ata teria sido entregue ao superintendente Valdemir José de Medeiros, aliado de Leal, que teria engavetado o documento.

Valdemir também foi demitido por José dos Santos, mas posteriormente recontratado por Leal, que assumiu no dia 20 de dezembro o comando interino da CBTKD – o secretário-geral era o terceiro na linha de candidatos ao comando da entidade.

A ascensão de Leal deu origem a duas linhas temporais paralelas. De um lado, o dirigente se vê como herdeiro natural do comando vago desde as saídas de Carlos Fernandes e José dos Santos. De outro, o vice-presidente alega que a nomeação de Rogaciano e as demissões foram concretizadas quando ele ainda ocupava o cargo.

Como a briga política da entidade virou caso de polícia

As duas versões se chocaram na última semana. Na quinta-feira (22), segundo Boletim de Ocorrência registrado na 16ª Delegacia de Polícia, a assessora de imprensa Carla Sofia chegou para trabalhar na sede da CBTKD, na zona oeste do Rio de Janeiro, e não conseguiu abrir a porta.

“Disse ter encontrado no local os senhores Rogaciano Filho e Urbano Ferreira dos Santos, acompanhados de um advogado identificado como Francisco Viana, todos em posse de uma procuração assinada pelo vice-presidente José dos Santos, afastado por ordem judicial. Que Rogaciano Filho e Urbano Ferreira dos Santos entraram no local de trabalho e trocaram as fechaduras”, narra o BO. “Que Rogaciano ainda ameaçou Carla Sofia de demissão caso ela não entregasse a senha do site da entidade”, prossegue.

Na mesma data, José dos Santos enviou um comunicado a Valdemir oficializando a demissão, que foi revogada por Leal.

Cronologia ajuda a explicar defesa de José dos Santos

A 3ª Vara Cível do Rio de Janeiro decidiu no dia 9 de novembro afastar José dos Santos. O veredito foi publicado pelo Diário Oficial da Justiça do Estado no dia 7 de dezembro.

“Mas o judiciário está em recesso, e o juiz de primeira instância ainda não tem conhecimento dessa decisão. Como o juiz ainda não o intimou, o senhor José dos Santos é o presidente em exercício”, disse Francisco Viana, advogado do dirigente. “Quem invadiu a confederação foram eles”, adicionou.

Segundo Viana, portanto, Leal, Valdemir e José Carlos Cypriano, atual diretor financeiro da CBTKD, ocupam ilegalmente os cargos. “O que acontece é: existe uma ação penal tramitando em paralelo. O juiz da ação penal pode dizer para suspender os efeitos até transitar em julgado. [O afastamento], de fato, é uma decisão que tem de ser cumprida, mas os atos anteriores a isso não são revogados”, ponderou o advogado.

Como a crise de gestão tem afetado funcionários e atletas

Enquanto os dois grupos políticos brigam pelo controle da CBTKD, funcionários e atletas têm sofrido consequências desse cenário polarizado. O COB (Comitê Olímpico do Brasil) interrompeu repasses à entidade, e os salários das pessoas que trabalham lá estão atrasados há pelo menos um mês – o comitê foi procurado pelo UOL Esporte para comentar o episódio, mas está em recesso de fim de ano.

José dos Santos bloqueou o acesso de Cypriano, Leal e Valdemir às contas da CBTKD no Banco do Brasil e na Caixa Econômica Federal. Nos próximos dias, deve barrar também as movimentações no Itaú.

O UOL Esporte teve acesso a relatos de atletas extremamente preocupados com essa indefinição. Há dúvidas sobre aspectos como cronograma e capacidade de investimento para o próximo ciclo.

O que pode acontecer com a CBTKD

A decisão que afastou Carlos Fernandes e José dos Santos também determinou que a Justiça deve indicar um interventor para a CBTKD. O problema é que isso não tem data para acontecer – Leal acha que a nomeação pode acontecer até o fim de janeiro, e o outro grupo conta com um processo mais moroso, que se arrastará pelo menos até o fim do primeiro trimestre de 2017.

Há duas articulações em curso, portanto: os dois grupos trabalham para manter o controle da CBTKD até a nomeação de um interventor e ambos tentam construir um ambiente de mais afinidade com o próximo comandante.

A acusação do grupo de José Santos é que Cypriano, Leal e Valdemir, funcionários remunerados, tentam manter os bons salários que recebem atualmente. Os membros desse grupo, em contrapartida, alegam que toda a movimentação é uma tentativa de manter poder a despeito das decisões judiciais.