Teremos um dia a Olimpíada eletrônica? Um e-atleta também sonha com o ouro

Gabriel "Revolta" Henud
Colaboração para o UOL
Reinaldo Canato/UOL
INTZ sagrou-se campeã brasileira de "League of Legends" em 2016

Enquanto os Jogos Olímpicos acontecem no Rio de Janeiro, eu, meus quatro companheiros de INTZ, treinador, analista, gerente e diretor de criação estamos em Berlim, na Alemanha, em treinamento intensivo para evoluir nossa técnica individual e como equipe. Esse é apenas um exemplo de como a vida de um e-atleta também requer profissionalismo, dedicação, saúde física, força mental e nos faz abrir mão de algumas coisas em busca da recompensa lá na frente.

Nasci no Recreio, Zona Oeste do Rio, e poderia ver a Olimpíada passando pela porta da minha casa se ainda morasse lá. Confesso que nunca fui muito fã de chutar uma bola, de fazer uma cesta, de nadar, correr, saltar, equilibrar-me numa barra ou derrubar alguém com um golpe, exemplos das tantas habilidades que serão vistas nos milhares de atletas em busca do ouro neste mês de agosto. Mas, certamente, estaria curioso para ver de perto algumas das principais estrelas mundiais do esporte. O suor e a dor desses caras são reconhecidos, como não poderia ser diferente, e não há como não se inspirar em diversas histórias.

No meu caso, desde 2013 eu abri mão de morar com as pessoas que eu mais amo, a minha família. Como disse, nunca fui um garoto entrosado com a bola e não tinha sonho de ser jogador de futebol. No colégio, meu pensamento era tornar-me médico quando crescesse. Com o passar dos anos, minha paixão pelos games foi crescendo. Jogava Tibia, Grand Chase e Dota, até identificar-me com o League of Legends. E o que mais me atraiu no jogo? O lado competitivo, uma característica que, talvez, seja o principal combustível de todos os atletas do mundo, seja do mundo real ou virtual. A paixão pelo jogo e por vencer foi o que começou a me despertar o desejo de fazer aquilo para sempre.

Quando me formei do colégio, tive que tomar uma decisão. Ir para a faculdade de medicina ou arriscar-me em um mundo ainda desconhecido, cheio de incertezas e preconceitos? Sabia que ouviria de muitos que seria uma loucura, que eu seria um jogador de video game, que poderia não dar em nada. Fazia parte. Hoje, depois de títulos e derrotas, elogios e críticas, momentos de pressão e glórias, eu tenho certeza de que estava tomando a atitude mais acertada da minha vida. Saí de casa e fui atrás do meu sonho em São Paulo. Hoje, tenho a chance de treinar na Alemanha. No fim das contas, a minha escolha foi “conquistar o mundo”.

Reprodução/Facebook
Gabriel "Revolta" Henud, jogador profissional de modalidade League of Legends
No INTZ, mais do que um emprego, ganhei uma segunda família. Assim como eu, micaO, Jockster, Tockers e Yang não são da cidade e tiveram de escolher uma vida longe dos parentes para poderem se dedicar ao sonho do LoL. O Alex, nosso treinador, é dos Estados Unidos. Ainda mais longe! Treinamos 8h por dia, temos suporte de psicólogo, nutricionista, manager, house keeper... Temos compromissos com organizadores de campeonatos, patrocinadores... E, principalmente, temos a responsabilidade perante a milhares de fãs. Muitos torcem, gritam e choram por nós. Não há, para mim, maior prova de que os eSports são uma realidade. São por esses “malucos” também que nós nos esforçamos tanto para ser cada dia melhores.

No começo de julho, minha equipe venceu o Campeonato Brasileiro de League of Legends no Ginásio do Ibirapuera, com público para cerca de 10 mil pessoas. Fomos os primeiros a ganhar no mesmo ano a primeira e a segunda etapa do Brasileirão. Estamos há 31 jogos neste campeonato sem derrotas. Chegar a mais uma conquista nessas condições foi uma sensação indescritível. O que mais posso querer? Continuar competindo e vencendo. A impressão é que, a cada torneio que passa, existem mais olhos voltados para nós. “Será que o futuro já chegou?” Essa é a pergunta que muitos se fazem. Eu acho que sim.

No momento em que os Jogos Olímpicos de Tóquio (numa região do mundo em que os games são uma febre) ganham o surfe, o skate, a escalada, o baseball e o caratê, por que não pensar que, num futuro, teremos os Jogos Eletrônicos? Quem pensaria, há um ou dois anos, que o Campeonato Brasileiro de League of Legends seria falado em todos os telejornais da principal emissora do país? Que teria transmissão ao vivo do canal esportivo fechado que tem a maior audiência? Não duvidem dos eSports. Nosso mundo está crescendo, ganhando corpo e dando orgulho. Por isso, também posso sonhar com a minha medalha de ouro.”

*Gabriel "Revolta" Henud tem 20 anos e é jogador profissional pelo INTZ eSports Club da modalidade League of Legends, o game mais popular do Brasil. Sua posição no LoL é Jungler (Caçador) e ele é considerado um dos maiores da atualidade no cenário brasileiro

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL