Por que a Jamaica humilha o Brasil nas pistas de atletismo
Uma simples observação feita pela grande atleta Odete Valentino Domingos mostra o que acontece com o atletismo brasileiro: "O que o Roberto Gesta estava fazendo na pista do Engenhão entregando medalha?
Bem, ele foi presidente da Confederação Brasileira de Atletismo durante longos anos, prometeu evolução, aplicou verbas, fez projetos, aumentou sua coleção olímpica particular. Enfim, fez de tudo que os cartolas do esporte nacional fazem. Tornou-se dirigente internacional... e como todos não conseguiu a evolução de sua modalidade no país.
É isso: o esporte nacional não evolui porque os dirigentes são pífios, incompetentes ou mal intencionados. Isso já basta para explicar porque a Jamaica com 2 milhões e 715 mil habitantes deixa para trás o gigante de 200 milhões de habitantes.
“A Jamaica tem planejamento, trabalho e humildade. E nós?”, questiona Odete, que foi recordista sul-americana do disco e uma atleta de primeira linha no arremesso do peso.
A discussão é antiga. Há dinheiro. Mas é mal aplicado. Há bons técnicos. Mas são mal aproveitados.
“Como a capital olímpica do planeta simplesmente destruiu a pista do Estádio Célio de Barros, onde a elite do atletismo carioca treinava?”, pergunta Nelson Santos, velocista de duas olimpíadas. “Esse foi o maior crime que fizeram com o nosso esporte”.
Verdade, até hoje nem a prefeitura do Rio, nem o Comitê Olímpico Brasileiro explicaram o que houve. Provavelmente nem vão explicar.
“A Jamaica tem uma política esportiva, nós não temos”, simplifica o técnico e professor universitário Luiz Albieri, o Esquilo.
Há desvio de verbas e aplicações indevidas, como por exemplo, quando o secretário de esportes do governo federal de 1984, mandou instalar em seu curral eleitoral no Paraná três pistas idênticas às usadas na Olimpíada de Los Angeles, pela bagatela de um milhão de dólares cada. Detalhe, em cidades onde não existia, nem existem equipes de atletismo.
Outro técnico de atletismo e professor, Fernando de Oliveira é um desbravador. Criou o projeto Cria Lavras, na Universidade Federal da cidade mineira, e já colhe frutos.
Seu trabalho busca o talento em comunidades negras pelo país, grupos de quilombolas, etnias que foram levadas para o Caribe na época da escravatura. “Buscamos a Rota do Caribe”, ensina ele, num trabalho que mistura conhecimento científico esportivo e antropologia.
“Vamos abrir o leque de nosso trabalho e vamos buscar jovens talentos no Maranhão, Sergipe e Bahia em comunidades negras”, explica animado.
Há um consenso entre esses técnicos brasileiros, todos estudiosos e idealistas, de que se fosse fechada uma cidade como Cachoeira, na Bahia, e se trabalhasse efetivamente com os jovens talentos, em oito anos contaríamos com uma equipe de atletismo mais forte do que a que representa o Brasil hoje.
“Após as olimpíadas de Pequim, fui fazer testes de iniciação em Cachoeira, cidade histórica da Bahia”, conta entusiasmado o técnico Neilton Moura, que pertence à equipe nacional. “E os resultados dos testes foram todos superiores ao da média do país”.
Aquela é uma região que foi habitada pelos negros malês, mais altos e fortes. Que tinham uma formação intelectual mais apurada. De origem muçulmana. Infelizmente até hoje não se fez um trabalho esportivo no lugar.
“Mas ainda vamos fazer”, sonham Neilton e Fernando. E Fernando acrescenta: “Os grandes clubes do atletismo nacional não trabalham na detecção de talentos, vão atrás dos jovens atletas que surgem em várias regiões do país” – e com isso empobrecem o lugar que inicia o trabalho de base e simplesmente aproveitam o trabalho dos garimpeiros do esporte, sem dar nada em troca..
Fora essas denúncias e esses sonhos, existe a realidade: a jamaicana e a brasileira.
“Eles têm o histórico da escola com o modelo inglês. Nós não temos o espaço nas escolas para a prática do atletismo, nem profissionais capacitados para formar os atletas. Essa é a diferença principal. A Jamaica é um país pobre? É, mas eles garantem a educação de seus jovens e o sistema educacional deles valoriza o esporte”, explica Fernando, pós-graduado em Barcelona.
Luiz Alberto de Oliveira, o técnico de Joaquim Cruz, Zequinha Barbosa e Agberto Guimarães, entre outros, é mais um dos estudiosos com formação acadêmica. Deveria estar no Estádio Olímpico, no Engenhão, mas infelizmente teve um problema de saúde, na fase preparatória da equipe brasileira no Campo dos Afonsos, e retornou a Manaus.
“Há alguns problemas entre os técnicos, discussões...”, resumiu o treinador, que tem mais reconhecimento internacional, do que em nosso país, onde a ciumeira impera.
Ele também afirma que os atletas de hoje estão mais preocupados com jogos eletrônicos e brincos, do que com treinos e dedicação. Opinião que bate com a de Fernando Oliveira:
“Com o bolsa atleta, ao invés de comprar livros e pensar na evolução nos estudos, a maioria pensa nos celulares e baladas. Na Jamaica, o atleta estuda”.
E é nesse meio que dirigentes de dinheiro se divertem com o esporte. Como o ex-presidente Gesta, que tem o maior museu particular sobre a história da Olimpíada, em sua casa, em Manaus. Lá, as jóias da coroa, são as medalhas de ouro conquistadas por Adhemar Ferreira da Silva, nos jogos de Helsinque e Melbourne, no salto triplo.
Enquanto Gesta é um dos entregadores de medalhas no Engenhão, não há referência nenhuma no local ao maior nome do atletismo brasileiro na história: Adhemar Ferreira da Silva.
“Não puseram o nome do meu pai em nenhuma instalação... nem nos banheiros”, acusou a cantora Adyel Silva.
Talvez o principal problema do nosso atletismo seja que ele tem donos. Os atletas seriam apenas escravos dos senhores da pista.