Primeiro treinador de Thiago lamenta vaias a francês: "Coisa de futebol"
“O que achei das vaias para o atleta francês? Só a nossa falta de cultura esportiva explica”. A frase não é de qualquer um. É do professor Luís Carlos Albieri, o Esquilo, primeiro treinador de Thiago Braz, medalhista de ouro no salto com vara.
“A turma se comportou como se estivesse em um campo de futebol, não foi legal. Nem em Jogos Abertos do Interior acontece isso, no atletismo sempre se respeita o adversário”.
Ele assistiu a vitória de Thiago Braz na televisão de sua casa. Não quis vir ao Rio durante a Olimpíada. Esquilo é um desses personagens que poucos conhecem, que passam a vida entre Jogos Regionais, competições escolares e a descoberta de jovens talentos. Um garimpeiro, que está se preparando para chegar à Cidade Maravilhosa ao lado do campeão mundial Daniel Tavares.
“O Daniel vai disputar os 400 metros na categoria intelectual na Paralimpíada”, diz com grande orgulho o professor de Educação Física, ex-mestre universitário e corredor dos 110 metros com barreira, que ganhou o Troféu Brasil de 1979 e sonhou algum tempo em disputar a Olimpíada de Moscou.
“Meu tempo era de 14s05 e na época eu era um dos melhores do país, ao lado do Carlos Alberto dos Santos, que era conhecido como Perdido”. Esquilo foi campeão brasileiro menor, juvenil, disputou sul-americanos e ganhou o torneio Orlando Guaita, no Chile - nesta competição teve a honra de integrar a mesma delegação do lendário João do Pulo.
“Eu competi em nível sul-americano, mas o treinamento era arcaico, eu me preparava em pista de carvão”.
Ainda jovem, ele parou de disputar provas no alto nível. Tinha 24 para 25 anos.
“Ai me tornei treinador ao lado do Nelson Tamura. Tínhamos uma equipe muito forte”.
Da sua equipe saíram feras como Jadel Gregório, Osmar Barbosa (o Expresso de Rosália, campeão pan-americano dos 800 metros), Eronildes Nunes, Joilson Bonfim e Carla de Souza Bispo.
“Depois a equipe acabou, mas continuamos trabalhando com atletismo, formando equipes para os torneios escolares, jogos regionais e jogos abertos”.
Foi aí que despontou na cidade o decatleta Fabiano Braz, que integrou a equipe nacional e era treinado por Esquilo. E um dia o tio Fabiano levou para a pista seu sobrinho, que era sapeca, jogava basquete na escola com a professora Dóris Motta, tinha impulsão e vivia tocando a campainha nas casas e saía correndo. Corria muito o menino que saltava 1,85m de altura e fazia outras provas, como a corrida com barreiras.
“Dos 11 aos 14 anos ele treinou conosco no Conjunto Esportivo Pedro Sola e nós até o ensinamos a fazer o salto com vara, para completar a equipe nas competições”.
Até hoje, a vara com que Thiago Braz iniciou seus vôos esportivos está na pista em Marília, servindo para a iniciação de outras crianças. Na época, Thiaguinho saltava exatamente a metade do que atingiu na pista olímpica do Engenhão para conquistar a medalha de ouro.
“Um pedacinho dela é meu!” – afirma modestamente o treinador, que vive em Marília e que nesta quinta-feira deu entrevista à rádio Jovem Pan da cidade.
“Me perguntaram como deixei o Thiago sair daqui, por que não seguramos? Oras, porque não temos uma política esportiva em nenhum lugar”.
Inclusive, o grande amigo de Thiaguinho no começo da carreira era o menino Silvinho: “Eram tão amigos que eu não coloquei o Silvinho na prova do salto com vara, embora ele fosse melhor. Tudo para não criar atrito entre eles e acabar a amizade. Hoje o Silvinho compete em São Paulo nos 110 m com barreiras.”
Se houvesse apoio e trabalho de base, o técnico acredita que haveria dezenas de atletas como Thiago. Acontece que só após os grandes resultados aparecem os “pais das crianças.”
Falando em pais, o campeão foi criado pelos avós: “Não sei se você ficou sabendo, mas os avós brigaram com a imprensa no Rio de Janeiro e por que eu não sei...”
Além de brigas, fofocas e ciumeira, acontecem muitas coisas nos bastidores.
“Você não vai acreditar: uma pessoa do shopping aqui da cidade me ligou e até ofereceu dinheiro para que eu leve o Thiago lá nas lojas. Pode uma coisa dessas?”.
O técnico, professor universitário e educador vive na contramão do mundo. Preservou a amizade de duas crianças, não se vendeu por dinheiro, se orgulha de ter participado da formação de um campeão olímpico e está mesmo interessado no desempenho de seu campeão mundial na Paralimpíada.
O mundo de Esquilo é mais generoso.