A rígida educação da tia Graça mantém a velocista Rosângela na linha
Quando não é tia Graça é vovô Orozimbo. Falou sem pensar ou fez besteira, o fundador da Mocidade Independente de Padre Miguel entra em ação. Tem 94 anos, 13 filhos e voz ativa: se a neta sai da linha, ele não pensa duas vezes e age na hora. A neta em questão é a velocíssima Rosângela Santos, a grande estrela da equipe de revezamento 4x100 que entra na pista olímpica do Engenhão, nesta quinta-feira atrás da classificação.
“Está reclamando só porque não se classificou para as finais dos 100 metros? Quer parar de competir por isso? E essas medalhas que estão aqui em casa, não valem nada?”, bradou Orozimbo, no dia de seu aniversário, quando recebeu a visita especial da neta no sábado passado.
“Vai para o revezamento e faça o que tem de ser feito”.
Bronca de vovô sambista tem efeito imediato. E Rosângela esqueceu seu desabafo de quando ficou fora da final dos 100 metros. Quando não conseguiu melhorar o seu tempo.
“Ela disse que todo o esforço não valeu a pena, que ela queria desistir do esporte e ser mãe”, relembra a tia Graça, filha de Orozimbo e tão dura no trato como o velho sambista.
“Eu falei para ela ficar no chuveiro, deixar a água cair na cabeça, refrescar a mente. Aí, com mais calma eu disse: tudo bem, você quer ser mãe, mas quem vai cuidar do nenê é você, viu minha filha, eu já tenho 66 anos, não dá mais!!!”
Tia Graça é bem objetiva e direta. Desde os tempos em que Baby, sua irmã que mora nos Estados Unidos, lhe deu a menina para cuidar.
“Estou com a Rosângela desde que ela tem dois anos”, lembrava a tia, no apartamento da rua Açafrão, bairro de Ponto Chic, em Bangu.
“Na verdade, a Graça é a mãe da minha filha”, confessa Baby.
As duas irmãs não acham a menina dengosa, talvez geniosa ou estourada.
“Só é preciso fazer ela pensar, baixar a bola e voltar ao normal”, ensina Tia Graça, que levava a menina à escola, aos treinos de atletismo e era uma das familiares mais queridas de todos os que freqüentavam a pista do Estádio Célio de Barros.
“Eu fazia suco de caju e sanduíches para ela e para toda a molecada”.
Criada à base da palmatória pelo velho Orozimbo, Tia Graça adaptou-se aos tempos modernos para colocar Rosângela no caminho certo:
“Uma vez estava tomando a tabuada dela: 2 mais 2. E ela respondia: cinco. Eu repetia: 2 mais 2. E ela : 6. Aí peguei uma vassoura, quebrei o cabo na frente dela e berrei: 2 mais 2. Ela respondeu: 4”.
Uma vez, tia Graça ficou sabendo que Rosângela tinha saído para ir a escola e foi , na verdade, para a praia.
“Ela veio apanhando da escola até em casa. Eu sou a favor de educar e além do mais, mãe sabe onde pode bater... mesmo porque a vida bate e bate feio”.
Quando o bom senso não produz efeito, ou as palavras não bastam, tia Graça parte para a ação. Até recentemente o apartamento da rua Açafrão tinha uma marca feia na parede:
“Joguei uma leiteira de água fervendo nela e marca ficou. Agora pintei a parede, mas ela não esqueceu a lição”.
E se a leiteira fervendo não resolve, nem vô Orozimbo, a tia brava apela para as quatro palavrinhas mágicas:
“Rosângela-Cristina-Oliveira-Santos!”
E a menina dengosa vira um gatinho siamês no colo da tia. Muda de ideia rapidamente. Foi o que aconteceu em sua visita à casa da tia no dia do aniversário do avô. Agora ela está pronta para correr o revezamento ao lado de Franciela, Bruna e Vitória Rosa ou Kauiza. E a tia conta:
“Ela treinou tanto tempo lá nos Estados Unidos, ficou sozinha, comeu ovo até cansar, ganhou a tal da massa muscular, está com as pernas fortes, fez outra tatuagem e fala em parar? O que é isso? Vai para a pista atrás da medalha!”.
A mãe de verdade vai ver a prova na esquina do prédio, no Fu, um chinês que tem um barzinho onde se faz o melhor churrasco do pedaço. Já a tia Graça vai pegar a sua correntinha de Nossa Senhora Aparecida e vai para o quarto da menina rezar. Se precisar vai pegar também a corrente que usa com o dente do siso de sua menina querida.
“Nessa hora vale tudo para que ela realize seu sonho”.