Coluna

Roberto Salim

Campeão da Copa-1970 não se conforma: "Deve ter alguma rixa na seleção"

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Roberto Salim

Roberto Salim, repórter da Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, O Globo, Gazeta Esportiva, Última Hora, Revista Placar, ESPN Brasil. Cobriu as Olimpíadas de Barcelona, Atlanta, Sydney, Athenas, Pequim e Londres. Na ESPN Brasil realizou mais de 200 documentários no programa 'Histórias do Esporte', ganhando o Prêmio Embratel com a série 'Brasil Futebol Clube' e o Prêmio Vladimir Herzog.

Colunista do UOL

Ele continua vibrando quando fala de futebol. Sorri ao lembrar de seus embates contra os zagueiros. E traz no corpo as marcas das batalhas travadas na grande área: rompimento do tendão, joelho arqueado, fratura na clavícula e no queixo. Roberto Miranda mora em Niterói, não joga mais bola e não sabe ainda se vai ver o jogo decisivo do Brasil contra a Dinamarca, porque seus netinhos Miguel, Giovana e Júlia tomam grande parte de seu tempo.

Aos 73 anos, ele não se conforma com os dois empates da seleção de Neymar nestes Jogos Olímpicos: ”Tem alguma coisa errada”.

Não compreende como três goleadores juntos não conseguiram empurrar uma bola ao menos às redes inimigas. E olha que Roberto Miranda sabe tudo dessa profissão de matador: foi o artilheiro do Brasil na Olimpíada de 1964, com três gols, e jogou duas partidas na Copa do Mundo do México. Na super-seleção de 1970 ele enfrentou Peru e Inglaterra.

Com a palavra, Roberto Miranda, que fez 152 gols pelo Botafogo do Rio, 60 pelo Corinthians, 3 pelo Flamengo e outros 6 pela seleção principal do Brasil de Pelé e Tostão.

UOL Esporte: Você disputou a Olimpíada do Japão, em 1964, e pode dizer: é um torneio diferente?
Roberto Miranda: Olha, eu estava conversando justamente isso com um amigo: é uma competição diferente sim, mas esses jogadores que estão no ataque não podem mais ficar nervosos. Não era para ter esse tipo de preocupação. São jovens, mas o Neymar é da seleção principal, o Gabriel Jesus foi vendido para a Inglaterra e o Gabigol tem o interesse de vários times europeus.

Então o que você acha que está acontecendo?
Roberto Miranda
: Sinceramente? Acho que tem alguma coisa errada na seleção. Algo errado entre os três. Às vezes algum tipo de rivalidade. Alguma rixa. Alguma ciumeira.

Cada um quer resolver à sua maneira?
Roberto Miranda
: É mais ou menos isso. O caso do menino que chutou aquela bola na trave. Se o Gabriel Jesus batesse para trás, poderia ter feito o gol ou ainda a bola poderia ser alcançada pelo companheiro de ataque.

Não tinha rivalidade entre vocês em 1970 também?
Roberto Miranda
: Não. Pelo contrário: além do que treinávamos com o Zagalo, a gente conversava muito, bolava jogadas. Rivalidade só eu tinha com um jogador, mas não era do ataque. Era com o Fontana. A gente vivia se pegando de pancada dentro de campo: uma vez num Cruzeiro e Botafogo no Maracanã eu dei tanto nele e ele me bateu tanto, que um delegado que estava no Maracanã nos levou presos. Mas na Copa de 70 todos estavam unidos.

Você acha que falta união no time olímpico do Brasil?
Roberto Miranda: Pode ser. E aí não dá nada certo mesmo.

Acham que os meninos reverenciam demais o Neymar?
Roberto Miranda: Vai saber. Mas nós tínhamos o Pelé ao nosso lado e não tinha essa não. A gente não dava confiança para o Pelé não, e ele era o rei. Se você não tiver personalidade não deve ser jogador de bola. Artilheiro tem que marcar gols. Eu quando não fazia gols ficava doente.

O que diferencia um artilheiro de um outro jogador?
Roberto Miranda: É o olhar para o gol. Eu sabia onde estava o gol. Sabia o que ia fazer quando a bola chegasse. E o Pelé também tinha essa “securinha” pelo gol. É natural. Mas tudo dentro do companheirismo. Do grupo.

O que os três artilheiros têm de fazer então para virar esse jogo e classificar o Brasil?
Roberto Miranda: Eles têm de conversar, bolar jogadas, além daquelas que o técnico treinou. Eles precisam ter intimidade. A gente respeitava muito o Zagalo, eu tinha jogado com ele no Botafogo, e quando ele virou técnico, dava instruções, mas eu, o Gérson, o Jairzinho e Paulo César tínhamos liberdade para mudar os planos. Precisa ter ousadia. Eu fingia que ia para um lado, como o Zagalo tinha bolado, e ia para o outro e recebia o passe do Gérson. E era gol.

Por que os meninos não fazem isso?
Roberto Miranda
: porque o futebol mudou muito, o dinheiro é outro, ficam olhando o público, a torcida, olham se estão aparecendo no telão. Tem regalias. Mas O Brasil vai passar de fase nesta Olimpíada... se não passar, pelo amor de Deus! Vou contar um coisa que poucos sabem: na Copa do México tivemos só um dia de folga, ainda assim saímos as duas da tarde e voltamos dez da noite. Queríamos ser campeões e fomos. É preciso querer ganhar.

E o papel do técnico: você acha que o Rogério Micale elogiou demais o Neymar?
Roberto Miranda
: O treinador não deve fazer isso. Todos tem de se sentir importantes. O seu Feola foi nosso treinador em 1964, na Olimpíada de Tóquio, e sabia trabalhar essa parte psicológica.

Conta só para nós: ele adormecia fora de hora ou é lenda?
Roberto Miranda: Aconteceu comigo antes do nosso último treino, para o jogo decisivo contra a Tchecoslováquia: ele estava no banco de reservas conversando com o doutor Hilton Gosling. O treino acabou e ele pediu que eu permanecesse mais um pouco para bater uns pênaltis, pois eu era o artilheiro da equipe com três gols. Tomei uma água e quando voltei... (o bonachão Vicente Feola estava realmente dormindo e o Brasil de Roberto Miranda perdeu o jogo do dia seguinte para a Tchecoslováquia, por 1 a 0, e foi eliminado na primeira fase daquele Olimpíada, após empatar com a república Árabe Unida por 1 a 1 e ganhar da Coréia do Sul, por 4 a 0)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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