Coluna

Roberto Salim

Quero que admitam que João do Pulo foi roubado em Moscou, diz ex-treinador

Arquivo pessoal
Divulgação
Roberto Salim

Roberto Salim, repórter da Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, O Globo, Gazeta Esportiva, Última Hora, Revista Placar, ESPN Brasil. Cobriu as Olimpíadas de Barcelona, Atlanta, Sydney, Athenas, Pequim e Londres. Na ESPN Brasil realizou mais de 200 documentários no programa 'Histórias do Esporte', ganhando o Prêmio Embratel com a série 'Brasil Futebol Clube' e o Prêmio Vladimir Herzog.

Colunista do UOL

Quando terminou o percurso de 200 metros pela Vila Prado, carregando a tocha olímpica, ele tinha acabado de viajar no tempo. Foram apenas três minutos, mas ele voltou 36 anos em sua vida. De São Carlos tinha ido direto para a pista do estádio olímpico de Moscou, onde João Carlos de Oliveira se preparava para mais um salto, o definitivo, acima de 18 metros, para ganhar a tão esperada medalha de ouro do salto triplo.

“Saudando as pessoas nas ruas da minha cidade, eu senti uma felicidade enorme, rememorei situações que estavam dentro da minha mente, lembrei de muitas coisas que aconteceram na minha vida esportiva”, derrete-se o professor Pedro Henrique Camargo de Toledo, o Pedrão, técnico de João do Pulo.

“Foi a maior felicidade da minha vida. Acho que só poderá ser superada se um dia reconhecerem que o João foi roubado em Moscou, onde saltou três vezes acima de 18 metros e os juízes da prova anotaram falta, como se ele tivesse queimado os saltos”.

Os fiscais de linha anularam ao menos três tentativas perfeitas do brasileiro. Com a tecnologia de hoje seria possível até provar o que Pedrão está dizendo. Na época ele se baseou no que viu com seus próprios olhos, na certeza de que raramente João desperdiçava um salto e nas reclamações do chefe da equipe australiana de atletismo, que também estava com um atleta brigando por medalha e não se conformou com a anulação das marcas do brasileiro.

“O João estava em uma fase excepcional, pronto para a consagração total”, relembra Pedrão. Mas ele admite que uma periostite na perna direita preocupava o brasileiro. “O periósteo é uma espécie de veuzinho que cobre o osso da canela e ele viajou para a Olimpíada sentindo um pouco dessa dor, a popular canelite”.

Mas não era nada que pudesse impedir os saltos magníficos de um campeão, que se dava como irmão com o técnico e amigo.

“Eu falava para ele: não se cobre de nada na prova. Se der tudo certo, a conquista é sua. Se algo der errado, a responsabilidade é minha”.

E ficou para Pedrão a responsabilidade pelo bronze de Moscou. O ouro e a prata foram para os soviéticos Jaak Uudmae e Viktor Saneyev.

Quando João saía da linha, Pedrão tinha seus métodos para recolocá-lo no caminho, como uma vez durante uma fase de treinamentos na Alemanha, no ano de 1979.

“Estávamos em Dortmund e ele chegou um pouquinho atrasado ao alojamento... estava um frio abaixo de zero... ele batia na porta e eu o deixei congelando por uns 20 minutos, até que deixei ele entrar”.

Hoje, Pedrão acha que falta essa sintonia fina entre técnico e atleta. Existe muita teoria, muito avanço técnico e estudos, mas pouco entendimento entre os seres: treinador e saltador.

“Talvez isso explique por que não teremos ninguém no salto triplo na Olimpíada do Rio... talvez seja só a entressafra, não sei exatamente o que é... mas a verdade é que há um problema, pois sempre tivemos alguém nessa prova, desde o Geraldo Oliveira, em 1948, que foi nosso primeiro grande saltador de triplo”.

Tirando os Jogos de 1964, em todas as outras olimpíadas desde Londres, com Geraldo de Oliveira, o Brasil teve alguém sonhando com medalha na prova. Chegou-se até a dizer que havia uma escola brasileira de saltadores, com gente do porte de Adhemar Ferreira da Silva, Nelson Prudêncio, João do Pulo e Jadel Gregório, que possui até hoje um dos 10 melhores saltos de todos os tempos.

Talvez por não ter nenhum brasileiro para disputar a prova, Pedrão não esteja muito entusiasmado com a Olimpíada do Rio. Vive hoje em Guaratinguetá, a pouco mais de 200 quilômetros do estádio olímpico, mas não se anima a viajar até lá. Sua grande viagem foi a que fez com a tocha nas mãos. Duzentos metros que o fizeram chorar.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Topo