Coluna

Roberto Salim

A família olímpica de um dos atletas mais "cascas-grossas" do Brasil

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Roberto Salim

Roberto Salim, repórter da Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, O Globo, Gazeta Esportiva, Última Hora, Revista Placar, ESPN Brasil. Cobriu as Olimpíadas de Barcelona, Atlanta, Sydney, Athenas, Pequim e Londres. Na ESPN Brasil realizou mais de 200 documentários no programa 'Histórias do Esporte', ganhando o Prêmio Embratel com a série 'Brasil Futebol Clube' e o Prêmio Vladimir Herzog.

Colunista do UOL

“João Valentão é brigão, pra dar bofetão, não presta atenção e nem pensa na vida”

A música de Dorival Caymmi se aplicava direitinho a João Gonçalves Filho. Nadador, jogador de pólo-aquático e mestre de judô, ele era uma encrenca em 1,75m de altura. E ai de quem olhasse para a noiva Wilma, que era atleta dos saltos ornamentais nas piscinas do Fluminense, na década de 50. “Meu avô era um casca grossa”, reconhece Grummy, um dos artilheiros da seleção brasileira de pólo-aquático, que estréia na Olimpíada contra a Austrália.

“Meu marido era um valentão de verdade”, relembra Wilma, que viveu 50 anos casada com João Gonçalves. “Os amigos sempre cantavam para ele o sucesso do Caymmi”.

E era mesmo um brasileiro como poucos, com uma folha esportiva de dar inveja a qualquer atleta do planeta. “Numa festa junina, quando voltamos dos Jogos Pan-americanos de Chicago, o João pegou um rapaz que estava olhando para mim... fui um Deus nos acuda”

João Gonçalves disputou as Olimpíadas de Helsinque e Melbourne como nadador (100m costas e revezamento 4x200 m livres), jogou pólo-aquático ao lado de lendas como Pedro Pinciroli, Polé e Aladar Szabo nos Jogos de Roma, Tóquio e México. E ainda foi técnico das equipes olímpicas de judô, em Barcelona e Atlanta.

“Já pesquisamos muito e não há ninguém com essa história do meu pai”, orgulha-se a filha Cristina, que foi atleta e vai trabalhar como anotadora dos saltos ornamentais no Rio de Janeiro.

Mas essa verdadeira família olímpica tem um orgulho maior que todas as essas participações do João Valentão.

“Meu avô sempre me contava do orgulho de ter sido o porta-bandeira no desfile de abertura dos Jogos Olímpicos de 1968, no México”, recita Gustavo, o Grummy, aquele que levou mais longe os ideais do avô casca grossa. “Eu vivi com vovô João até os 16 anos e ele me chamava de meu garoto...”.

Nessa época Gustavo e seu irmão Ricardo eram das seleções de base do Brasil.

“Meu avô já não tinha força para entrar na água e nos ensinar os truques do pólo-aquático, mas conversava comigo fora da piscina, me orientava e mandava entrar na água e realizar o que ele ensinava. E sempre dava certo, principalmente quando ensinava a finalizar para o gol.”

Sobre os grandes combates que ocorriam dentro da água e fora das piscinas, o vovô procurava não influenciar os netos.

“Dizia para não brigar, mas para entrar sempre na piscina para ganhar”, garante Grummy. “Ele falava assim: é preciso saber ganhar e perder, mas tem que ganhar...”

Vovó Wilma presenciou grandes e históricos quebra-paus, como a final do pan-americano de 1963, quando o Brasil ganhou dos Estados Unidos e ficou com a medalha de ouro. “Teve gente que foi parar no hospital”. Mas a história favorita de vovó Wilma é um sul-americano ocorrido em Cali, em um jogo contra os argentinos: “Tem uma foto de um jogador brasileiro, que eu não vou falar o nome, com o mastro da bandeira do Brasil quebrada, correndo atrás de um argentino”.

Bons tempos, mas Grummy espera apenas jogar nestas Olimpíadas. “O nosso time vem de uma preparação muito boa com o técnico tetracampeão olímpico e tem tudo para fazer uma boa campanha”, garante o artilheiro. A última fase de preparação na Europa encheu o técnico croata Ratko Rudic de esperança, conta Grummy. Ele também é um dos fãs do treinador que é simplesmente um colecionador de medalhas de ouro. ”Perdemos só por um gol de Montenegro e dois da Itália e vencemos a França e a Espanha... agora é só uma questão de encaixarmos nosso jogo”.

As duas primeiras partidas na Olimpíada serão determinantes para a campanha brasileira.

“Austrália e Japão são os jogos fundamentais para o time deslanchar”.

Se depender da torcida da família olímpica, a campanha do Rio irá superar aquelas em que João Gonçalves tomou parte, com goleadas que o vovô não contava para ninguém: o Brasil perdeu de 8 a 2 para a União Soviética em Roma, levou de 8 a 0 da Iugoslávia em Tóquio e tomou de 9 a 2 de Cuba no México.

“Isso ficou para trás, importa agora o que o Grummy e a seleção vão fazer no Rio”, sentencia vovó Wilma, que pede licença para declamar um versinho para o seu amado:”Foram 50 anos sem ver o tempo passar, fomos dois enamorados, ninguém pode duvidar”.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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