Coluna

Roberto Salim

Ela tinha tudo para ir aos Jogos, mas não vai e hoje vive de salário mínimo

Arquivo Pessoal
Clelia Costa, atleta do boxe, campeã em 2014 e fora da Rio-2016 por doping imagem: Arquivo Pessoal
Divulgação
Roberto Salim

Roberto Salim, repórter da Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, O Globo, Gazeta Esportiva, Última Hora, Revista Placar, ESPN Brasil. Cobriu as Olimpíadas de Barcelona, Atlanta, Sydney, Athenas, Pequim e Londres. Na ESPN Brasil realizou mais de 200 documentários no programa 'Histórias do Esporte', ganhando o Prêmio Embratel com a série 'Brasil Futebol Clube' e o Prêmio Vladimir Herzog.

Colaboração para o UOL

Quem entra no ginásio de boxe do Centro Esportivo Joerg Bruder, em Santo Amaro, pode ver lá no alto da parede as fotos de jovens campeões. Uma dessas imagens é da lutadora Clélia Costa – com a medalha de bronze no Campeonato Mundial de Jeju, na Coreia do Sul, em 2014. Tinha tudo para disputar os Jogos Olímpicos do Rio com o resultado e estaria bem cotada para os duelos que definiriam a vaga. 

Só que ela não vai mais disputar a Olimpíada: foi apanhada no exame antidoping com furosemida, que muitas vezes mascara a presença de substâncias proibidas na urina.
“Eu dei para ela um chá para emagrecer”, conta Yasmin, também lutadora de boxe e amiga da campeã.

No primeiro julgamento ocorrido no ano passado, ela foi punida com uma suspensão de 6 meses. Mas posteriormente a ABCD (Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem) recorreu, pediu novo julgamento e, por incrível que pareça, a punição subiu para 2 anos. Menina pobre, nascida na Vila Calu, periferia de São Paulo, estava alijada da Olimpíada. Talvez se fosse atleta de uma modalidade mais elegante, não recebesse castigo algum.

“Recorrer como? Precisaria de muito dinheiro”, admite a campeã da categoria até 51 quilos que recebia 10 mil mensais, nos tempos em que defendia a seleção olímpica.
“Agora vivo com salário mínimo, dinheiro que vem das aulas de boxe que eu dou na academia do Team Nogueira”.

A sorte de Clélia foi ter guardado amigos e o dinheiro dos tempos de bonança. E ela que sonhava em receber a bolsa pódio e ter uma renda razoável para ajudar no sustento da família humilde, vai se virando como pode.

Se entre uma aula e outra conseguir tempo para ver as lutas olímpicas pela TV, não vai ficar chateada. “Mas vai ser difícil” – ela só não quer falar muito de doping – um assunto que não leva a nada.

“No começo eu ficava chateada, mas agora eu não quero mais tristeza não. Tenho saúde, tenho capacidade de continuar praticando o esporte e espero voltar quando a punição chegar ao fim”.

Ela tem 28 anos e hoje pesa 58 quilos. Talvez quando voltar aos ringues mude de categoria. Mas, todo lutador sabe que às vésperas das disputas é que se chega ao limite de peso para os combates. Talvez fosse por isso que tomava o chá. Simplesmente para emagrecer às vésperas de uma luta. Talvez não.

“Quem sabe eu ainda tente participar de um novo ciclo olímpico”.

Quem sabe! Ela ainda mantém contato com o amigo e técnico da seleção Cláudio Ayres. Os dois choraram juntos a perda da chance olímpica.

O certo é que a foto da menina do sorriso triste continua enfeitando o salão de boxe onde campeões nacionais  - tão pobres como ela - sonham com a glória no Rio.

Esse reconhecimento e o orgulho de ser atleta, ninguém tira de Clélia.

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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