Como a medicina transformou menstruação e gravidez em vantagem para atletas

Colaboração para o UOL
Marcio Rodrigues/MPIX/CBJ
Sarah Menezes representou o Brasil no judô na Rio-2016

Nestas Olimpíadas, a judoca Sarah Menezes pediu ajuda à ginecologista da Confederação Brasileira de Judô (CBJ), Tathiana Parmigiano, para lutar menstruada. Já a nadadora chinesa Fu Yuanhui lamentou não dar o melhor de si nas piscinas por estar "naqueles dias". A levantadora da seleção brasileira de vôlei, Fabíola, competiu apenas 3 meses depois de dar à luz - e dias após amamentar pela última vez.

Todas essas mulheres são provas vivas de que a medicina esportiva tem transformado o que antes eram consideradas desvantagens competitivas das mulheres em apenas mais um fato ou, no melhor cenário, em benefício para a performance.

"A ginecologia esportiva atua no Brasil desde 2007, mas faz apenas dois anos que dominamos a questão do ciclo menstrual. É bem recente e temos apenas três ginecologistas do esporte no Brasil hoje", afirma Maita Araújo, chefe do ambulatório da ginecologia do esporte da Unifesp. "E nestas Olimpíadas as atletas têm falado abertamente sobre isso, o que é muito bom: quebra um tabu sobre menstruação e deixa claro que os treinadores têm que começar a pensar nisso na adaptação dos treinos."

Os médicos atuam principalmente baseados neste conhecimento: o ciclo menstrual natural de uma mulher se divide em duas etapas. Na primeira, o corpo se prepara para uma possível gestação e está cheio do hormônio estrogênio. Na segunda, na época em que ocorre o sangramento, cheio de progesterona. As atletas precisam, então, analisar que tipo de efeito buscam: na primeira fase há ganho de resistência e na segunda, aumento de peso. Daí que uma judoca prefira lutar mais inchada (e forte) e uma nadadora prefira a agilidade proporcionada pelo primeiro período.

Em outros casos, atletas com menstruação muito intensa, precisam regular o sangramento com anticoncepcionais para evitar que seu nível de sangue e oxigenação caiam.

"Um dos motivos dos americanos serem tão bons nos Jogos é a medicina esportiva. Em vez de tentar descobrir como mascarar o doping, eles estudam como aproveitar o máximo da fisiologia de cada um", afirma Ronaldo Arkader, endocrinologista esportivo da Care Club, onde se consultam algumas das nadadoras brasileiras. "Nós precisamos aproveitar o que a natureza dá de melhor para o corpo da mulher naquele momento. Nada precisa ser uma desvantagem."

O mesmo vale para lactação e gestação. Um relatório recentemente encomendado pelo Comitê Olímpico Internacional mostrou que há menos riscos do que se pensava, tanto para mãe quanto para bebê, em grávidas praticarem esportes de alta performance. E como a progesterona pode se converter em testosterona (hormônio da força), o princípio da gravidez pode até ser um período produtivo para atletas de alta performance.

A triatleta Bia Neri, paciente de Maita, por exemplo, estava convocada para essas Olimpíadas e não pôde competir porque seu parto coincidiu com o período dos jogos. Mas Maita conta que ela adaptou a bicicleta, continuou correndo e nadou até um dia antes do parto - que foi ontem. "Antigamente achava-se que o esporte levava ao aborto, mas isso caiu por terra. Mãe e bebê estão muito bem e eu mesma que fiz o parto", conta Maita. "E Bia já quer voltar a correr semana que vem!"

Recentemente, Ronaldo tem pesquisado os hormônios do corpo de atletas durante longos treinos, colhendo exames a cada 30 minutos. "Isso tudo me fez concluir que as mulheres são, na verdade, muito melhores que nós nos esportes. Se elas começam com um nível 10 de testosterona no corpo, o homem começa com 400 - e, mesmo assim, elas quase nos alcançam. Se as colocassem em pé de igualdade conosco com hormônios anabolizantes, não ia sobrar medalha pra homem nenhum!", brinca ele.

* Nana Queiroz é diretora executiva da Revista AzMina (Facebook.com/revistaazmina), autora do livro "Presos Que Menstruam" e roteirista da série de mesmo nome em produção. Também é criadora do protesto "Eu Não Mereço Ser Estuprada". É jornalista pela USP e especialista em Relações Internacionais pela UnB.