Abertura do futebol expõe o machismo do comentário: "Jogo de mulher é feio"
Colaboração para o UOL
Na quarta, logo após o show de estreia do futebol feminino nas Olimpíadas, uma cara que sigo no Twitter comentou: "Eu não sou machista. Pelo contrário. Mas acho futebol feminino ruim. Não tenho nada contra mulher comentar futebol (isso sim seria machismo)". Hoje, depois de ver esse joguinho sem sal da seleção masculina, me peguei pensando na fala desse colega. E, pra mim, a comparação dos dois jogos foi a melhor resposta que os adeptos dessa opinião podiam ter. Mulherada ganhou de lavada da China, uma potência Olímpica. Os homens, sofreram contra África do Sul, um time que nem sequer arrepia. Sairam de campo vaiados.
De fato, eu conheço o rapaz que fez o comentário e ele não é nem de longe um desses machistas do mal. Mas a verdade é que todos nós, por sermos criados em uma sociedade machista, interiorizamos determinadas coisas que temos como "verdades" - e uma delas é esse consenso social fajuto sobre futebol feminino ser sem graça. E sugiro que você, que aqui me lê, se questione se não tem caído também nesse papo sem se questionar.
E, sim, dizer que futebol feminino é ruim é machista. Sabe por quê? Porque é uma frase que dá entender que o futebol feminino não chega mais longe por culpa da falta de habilidade das atletas, alguma coisa que seria um "defeito de gênero". Vamos pensar nisso com cuidado?
Mônica, Andressa Alves e Cristiane, as autoras dos gols de ontem não receberam um terço do apoio emocional, moral, social e financeiro do que os caras que perderam gols feitos na disputa desta quinta. Mesmo assim, Cristiane se tornou a maior artilheira na história das Olimpíadas. Sim, NENHUM HOMEM OU MULHER balançou mais redes na história dos Jogos mais do que ela. Mesmo assim, Marta - e não Pelé - é a quem mais fez gols com a camisa da seleção.
E se ganhar de goleada de um bom adversário ou bater recordes (inclusive masculinos) não bastam pra se considerar um estilo de jogo "bonito" sugiro que se assista ao drible a la Zidane da Marta no jogo contra a Espanha no Mundial do Canadá em 2015. Ou veja de novo o gol de cabeça da Cristiane que a colocou na história na última quarta.
Como bem disse em entrevista ao UOL, ontem, o treinador do time feminino, Vadão: “É muita coisa envolvida. Vamos admitir que a gente vença. No dia seguinte, vai ter futebol feminino nas escolas? No dia seguinte, as prefeituras vão decidir fazer uma escolinha de futebol? Não temos incentivos no feminino.”
O que o argumento do meu colega não considera é quão incríveis essas minas são pra chegar onde chegaram recebendo tão pouco da sociedade e ainda ouvindo gente como ele baixar o moral delas mesmo ao vencer. A batalha delas vai muito além da medalha, poxa vida! O mínimo que podemos fazer é não ficar no caminho - nem na vida nem no Twitter. Gosto muito da fala de Cristiane num dia desses: “É muito mais que uma briga pelo ouro. Queremos um modelo para o futebol feminino.”
*Nana Queiroz é diretora executiva da Revista AzMina (Facebook.com/revistaazmina), autora do livro "Presos Que Menstruam" e roteirista da série de mesmo nome em produção. Também é criadora do protesto "Eu Não Mereço Ser Estuprada". É jornalista pela USP e especialista em Relações Internacionais pela UnB.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL