Exigência de beleza e uniforme curto atrapalham mulheres, dizem estudiosos
Colaboração para o UOL
"Eu não vou usar minissaias. Eu não uso saias nem quando saio à noite, então certamente não vou usá-las no ringue", reagiu Katie Taylor, estrela do boxe mundial, quando a Aiba, a Federação Internacional do esporte, sugeriu que as atletas vestissem a peça nas competições de Londres, em 2012.
Naquele ano, com a inclusão do boxe feminino, pela primeira vez, todas as modalidades olímpicas seriam disputadas por ambos os sexos. Em meio às comemorações, porém, a Aiba – até hoje dirigida apenas por homens – fez questão de ressaltar que, no mundo esportivo, o corpo das mulheres ainda é visto como atração.
A cobrança para que atletas usem uniformes curtos e justos não é exclusividade do boxe, e estudiosos afirmam que as roupas têm atrapalhado a performance feminina nos Jogos. Em 2012, a Confederação de Basquete da Europa (Fiba Europa) exigiu que as jogadoras usassem um uniforme no estilo macacão, colocado ao corpo. Este ano, as brasileiras que disputarão medalhas no atletismo e no vôlei, de quadra e de praia, também estarão vestidas com "menos pano" que os colegas do sexo masculino.
O pesquisador Jorge Knijnik, da Western Sydney University, estudou o preconceito de gênero e o estresse sofrido por futebolistas brasileiras no doutorado. Sua conclusão? A visão estereotipada prejudica o desempenho das atletas. "Elas não podem ser muito fortes, têm que ser heterossexualmente atraentes, com cabelos compridos, usando batom e saia fora das quadras. Isso é um peso para elas, que precisam fazer um esforço extra para lidar com as cobranças de feminilidade 'perfeita'", diz. "O modelo dos uniformes tem que ser discutido com quem vai usá-los", defende.
Um dado revelado nesta semana pela Ticketbis corrobora com sua visão e provoca questionamentos: será que o público da arquibancada dos jogos femininos realmente está interessado no esporte? Mais: o que estão vendendo as confederações que obrigam as atletas a jogarem com pouca roupa? Nos jogos deste ano, somente três modalidades femininas tiveram mais de 50% dos ingressos vendidos até agora: ginástica, vôlei de praia e hóquei sobre a grama. Em comum, as três terão atletas com uniformes curtos e uma maioria de homens na plateia.
Helena Altmann, professora da Unicamp, comenta o dado: "Por conta dessa pressão estética, muitas atletas acabam tendo que se preocupar com coisas que não dizem respeito ao esporte. Isso, certamente, tem efeitos na obtenção de patrocínio".
Essa obsessão pelo corpo das atletas pode ser medida na exploração que a mídia faz da imagem das mulheres. Em muitos casos, elas são retratadas de forma desrespeitosa, com closes de partes do corpo. Recentemente, o jornal Folha de S. Paulo noticiou uma vitória da tenista Maria Sharapova dando destaque à celulite da jovem russa.
"Historicamente, as mulheres já foram proibidas de praticar diversas atividades físicas devido a mitos científicos. Como isso foi caindo por terra, o negócio agora é tentar controlar o corpo feminino por meio da ultrassexualização", conclui Knijnik.
* Carolina Vicentin é repórter especial da Revista AzMina, jornalista, especialista em bioética e marketing digital. Trabalhou nos jornais Correio Braziliense, Metro e Jornal do Brasil e na Secretaria de Comunicação da Universidade de Brasília e na Organização dos Estados Ibero-americanos.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL