Coluna

AzMina

O que o assalto de Gisele Bünchen nas Olimpíadas revela sobre o Brasil

Reprodução/Facebook
Gisele participou da final da Copa-2014 e estará na abertura da Olimpíada-2016 imagem: Reprodução/Facebook

Letícia Bahia/Colaboração para o UOL

Carnaval, futebol, floresta e… um assalto a Gisele Bündchen! De acordo com relatos de vários dos 3 mil convidados que assistiram ao ensaio geral da abertura das Olimpíadas, realizado na noite do último domingo, a inusitada cena seria exibida para o mundo na próxima sexta. Diante da péssima repercussão, a organização do evento anunciou o cancelamento do trecho. Ficamos com o dito pelo não dito, mas permanece nas entrelinhas uma espantosa quantidade de nuances culturais sobre o Brasil.

Talvez assalto e violência policial não sejam exatamente o que a gente espera de uma abertura de Jogos Olímpicos, mas se o estado do Rio de Janeiro registra 16 homicídios por dia e a polícia brasileira é a que mais mata no mundo, por que não usar os holofotes olímpicos pra falar sobre isso? Essa poderia ser uma abordagem interessante, talvez inédita em Olimpíadas. Mas a intenção dos organizadores foi bem mais alinhada à tradição de mostrar só o lado "positivo". 

A cena se desenrola, dizem os relatos, com a modelo desfilando ao som de Garota de Ipanema. Um jovem, aparentemente da periferia, se aproxima no que para muitos foi entendido como um assalto. Corre-corre de homens de preto (os organizadores juram de pé junto que eles não representam policiais), intervenção de Gisele e pronto. A polícia entendeu errado, o jovem assaltante na verdade é "do bem", todo mundo se abraça e segue a farra, em clima de "deixa disso".

É a velha crença de que, com o "jeitinho brasileiro", tudo se resolve - até a pobreza e a desigualdade social. Nada de sugerir soluções, lembrar de famílias desalojadas para a construção do Parque Olímpico, da poluição na Guanabara ou de obras superfaturadas! E se o jeitinho entala na garganta, corta-se a cena! Afinal, o que os olhos não veem o coração não sente!

Também chama a atenção a escolha da supermodelo para representar as mulheres do Brasil. Nada contra a gaúcha, mas o que dizer de um país mestiço - que afirma por aí morrer de orgulho de sua miscigenação -, que elege como seu destaque uma mulher branca, magérrima, loira e de olhos claros? O que isso diz sobre os nossos padrões de beleza e como os impomos para milhões de mulheres que são, em sua maioria, morenas, mais encorpadas, baixas e, em 53,6% dos casos, se enxergam como pretas ou pardas? Que mensagem estamos enviando sobre o que achamos bonito e o que não merece espaço no horário nobre?

Mas deixemos isso pra lá, que ninguém quer ser estraga prazeres. Olimpíada é festa, é paz, é união. Você pensou que fosse o quê? Um megaevento financiado por empresários que não estão nem aí para o esporte ou para o povo brasileiro? Fique tranquilo que ninguém vai estragar sua festa. Nessa sexta é dia de passar no Mc, abrir uma Coca gigante e relaxar na frente da sua TV Samsung pra assistir o começo da festa, que esses e outros patrocinadores do Rio 2016 não vão deixar nada de mal acontecer dentro da sua televisão. Agora, se alguém te assaltar na rua ou se a PM te tomar por assaltante, não vá tentar o abraço - prometo que não funciona.

*Letícia Bahia é Diretora de Relações Institucionais da Associação AzMina de Jornalismo Investigativo, Cultura e Empoderamento Feminino, coautora do livro "Você é já Feminista", psicóloga e autora do blog "Reflexões de uma Lagarta"

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Topo