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Escola cria torneio em que gol de menina vale 2 pontos e dá grande lição

Carolina Vicentin* Colaboração para o UOL

Uma escola pública de ensino fundamental de Samambaia (a cerca de 30km de Brasília) lançou uma regra inovadora em um campeonato misto de futsal: os gols feitos por garotas valeriam dois pontos. A ideia era fazer com que os meninos passassem a bola para elas, movimentando os times e dando oportunidade para que as meninas sejam mais valorizadas no esporte.

"Houve um debate muito intenso sobre isso na escola, algumas pessoas disseram que era injusto. Mas conseguimos fazer uma reflexão ampla sobre as razões que levam as meninas a não serem tão boas nos esportes", conta Paulo Carmona, professor de educação física responsável pela atividade na Escola Classe 108. Para ele, devemos alimentar princípios como a equidade de gênero desde bem cedo nas crianças.

A iniciativa, que faz parte de projeto chamado "Educação com Movimento", mostra que, apesar de as meninas largarem atrás nos esportes, as aulas de educação física podem ser motor de transformação. O projeto de Paulo, por exemplo, deu tão certo que ele logo precisou reverter a regra. "Sempre que trabalhamos assuntos como gênero e igualdade, a resposta dos alunos é muito rápida. Penso que muito mais poderia ser feito com uma estratégia a longo prazo", diz o professor.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996 eliminou a divisão entre meninas e meninos nas aulas de educação física – embora, na época, a intenção tivesse mais a ver com a redução do quadro de professores do que com a inclusão. Na prática, ainda hoje muitas garotas seguem excluídas das atividades, por medo de fazerem feio se comparadas aos energéticos colegas do sexo masculino.

"Muitas meninas apenas fazem de conta que participam das aulas, não se envolvem no que é proposto. Correr, suar e se destacar seguem sendo coisas relacionadas ao universo masculino", diz Juliana Fagundes Jaco, professora do Instituto Federal de São Paulo e pesquisadora da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

No mestrado, Juliana avaliou as diferentes formas de participação de estudantes do 8º ano nas aulas de educação física, em duas escolas públicas da cidade paulista. Verificou que, nas turmas, havia alunos que se envolviam ativamente nos exercícios e outros que estavam sempre à margem. Neste último grupo, as meninas eram a maioria esmagadora. Ao entrevistá-las, Juliana ouviu certezas do tipo "não participo porque não sou boa" ou "os meninos jogam muito melhor".

A pesquisadora também observou que, em muitos casos, há uma passividade dos professores em relação à falta de envolvimento das adolescentes. Embora fique claro que as meninas "enrolam" para não participar das aulas, pouco ou nada é feito para reverter isso. Segundo Juliana, a formação dos docentes peca em não abordar o assunto. "Não existe nenhuma disciplina sobre gênero obrigatória nos currículos das faculdades", lamenta.

 

*Carolina Vicentin é repórter especial da Revista AzMina, jornalista, especialista em bioética e marketing digital. Trabalhou nos jornais Metro, Correio Braziliense e Jornal do Brasil e na Secretaria de Comunicação da Universidade de Brasília e na Organização dos Estados Ibero-americanos.

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