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Por que a cultura das musas do futebol precisa acabar

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Pércia Meneses, modelo e musa do Corinthians imagem: Divulgação

Colaboração para o UOL

Ela é uma mina boa-praça, calma, cristã – até acredita no princípio de “dar a outra face”. Mas quando o camarada evoluiu de colocar pau de selfie embaixo da saia dela e das colegas de trabalho para passar a mão, atingiu o limite de sua paciência. A modelo Pércia Meneses, 30, ajeitou a direita no meio da cara do abusado e quebrou o nariz dele sem sentir remorso algum. Algumas pessoas pedem.

A musa do Corinthians afirma que o assédio sexual e o desrespeito são praxe para quem, como ela, ganha a vida com a beleza. “Olham pra gente como se fôssemos paisagem, como se não tivéssemos valores e princípios. Nosso caráter é medido pelo tamanho da nossa roupa”, afirma Pércia. “Sei que na mídia eu sou um produto, mas isso não quer dizer que eu, ser humano, estou à venda!”
 
A garota foi sempre boa de bola, mas foi apenas nos concursos de musa que ela encontrou espaço no mundo futebolístico que tanto ama. Isso porque a cultura brasileira determina um lugar muito bem marcado para a mulher no esporte favorito da nação: o de objeto sexual. Não que exista problema algum em mulheres - e homens - ganharem a vida com a beleza. O problema é que, ao assumirem esses papéis, as mulheres sejam vistas como menos dignas de respeito. E a isso que eu aqui chamo de "cultura das musas".
 
Pércia, por exemplo, não é um estereótipo sexual: é uma mulher inteligente e complexa, locutora de rádio de um programa esportivo que vai à igreja evangélica aos domingos. Mas nos eventos em que trabalha, homens se sentem no direito de passar a mão nela sem permissão, dizer frases de baixo calão e insinuar que ela é prostituta. “Eu não julgo quem faz isso (se prostituir), apenas não é o que sonhei pra mim”, relata a moça. 
 
Ao colocar no topo das páginas esportivas mulheres seminuas - sem jamais fazer o mesmo com os homens nem dar importância igual à cobertura dos esportes femininos -, a mídia está colaborando com a perpetuação de uma cultura que estimula a violência sexual e incute, na cabeça da audiência, a ideia de que essas mulheres não são sujeito, apenas objeto. Não interessa o que pensam e sentem, sequer os seus talentos com a bola, apenas seus corpos.
 
Se a mídia e a sociedade brasileiras compreendessem que mulheres têm direito ao esporte, à sexualidade e à beleza, tanto Pércia quanto atletas como Marta teriam mais espaço - talvez a própria Pércia teria chegado a ser uma Marta, aliás. E nos espaços que ocupam, os salários mais baixos, as piadas machistas, o assédio e a violência não fariam parte de seu cotidiano. E nós, meus caros, seríamos todos pessoas melhores.
 
* Nana Queiroz é diretora executiva da Revista AzMina (Facebook.com/revistaazmina), autora do livro "Presos Que Menstruam" e roteirista da série de mesmo nome em produção. Também é criadora do protesto "Eu Não Mereço Ser Estuprada". É jornalista pela USP e especialista em Relações Internacionais pela UnB.
 

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