Coluna

AzMina

Falar de estupro é: ser atacada por fãs do Bolsonaro e banida do Facebook

Reprodução/Arte UOL

Colaboração para o UOL

Na semana passada, eu publiquei uma série de artigos sobre a cultura do estupro no UOL (nesta coluna, inclusive. veja aqui), na BBC e no Jornal Metro, além de dar uma entrevista para um perfil que saiu na Revista Época. A resposta do machismo foi voraz. Centenas - ou dezenas? - difícil saber com o fenômeno dos perfis falsos no Facebook - de fãs do deputado Jair Bolsonaro se organizaram nas redes sociais para me atacar e tirar o meu perfil do ar.

Recebi ofensas de baixo calão, ordens de ir para a cozinha lavar a louça em vez de ficar falando em público, ou de procurar um órgão sexual masculino maior para resolver um suposto problema de mau humor. Até meu marido e minha mãe foram agredidos. Querem saber o pior disso tudo? Tive que ouvir a todos esses ataques em silêncio, pois estou banida da comunidade por ferir um conjunto de regras equivocadas do Facebook, que protegem agressores e castigam quem ousa protestar contra o status quo. O perfil até voltou ao ar, mas estou proibida de postar qualquer coisa, nem posso administrar a página. Tive também que mandar um documento ao Facebook provando que eu era eu mesma.
Em 2014, quando liderei o protesto on-line "Eu Não Mereço Ser Estuprada", aconteceu algo parecido. Recebi cerca de 500 mensagens de ódio, ameaças de estupro e linchamento através da rede e não senti nenhum tipo de proteção eficaz. Tive que recorrer à Delegacia da Mulher e me recolher na segurança da minha casa por quase um mês.
Meu suposto crime, desta vez, foi fazer o meu trabalho. Sou jornalista, cubro questões associadas aos direitos das mulheres e o Facebook é minha principal ferramenta neste ofício. Na semana passada, repostei uma das mais belas imagens tiradas dos protestos de mulheres que aconteceram no país após a denúncia de estupro de uma moça de 16 anos por 33 homens. Tive o cuidado de me certificar de que todos os mamilos da foto estavam devidamente cobertos por roupa ou tinta - afinal, o Facebook não bloqueou as inúmeras imagens de Globeleza da minha timeline no Carnaval.
Mesmo assim, a imagem supostamente fere os "Padrões da Comunidade" e não é a primeira vez que sofro punições com o mesmo argumento. Na anterior, fui bloqueada por 7 dias por postar fotos da campanha de prevenção do câncer de mama, apesar de a rede afirmar que nudez pode "quando a publicação do conteúdo se der por motivos educativos, humorísticos ou satíricos". Atenção: o humor, não importa a quem ofenda, está ali acima de motivos como protestar ou alimentar o debate. Que tipo de liberdade de expressão é essa?
Nenhuma das pessoas que me atacou teve seu perfil tirado do ar. E, depois de denunciar mais de uma dúzia de sujeitos que faziam apologia ao estupro nos últimos dias, eu sempre recebi de volta o recado de que a mensagem "não fere os padrões da comunidade". Eu sou acusada de ser uma intolerante da defesa do inaceitável "politicamente correto", mas pessoas que afirmam que "mulheres que ficam em casa lavando louça não são estupradas" gozam de plena voz.
Longe de mim ser uma pessoa que não valorize o humor. Sou fã de humoristas de qualidade como Clarice Falcão e Gregório Duvivier, além de Ellen DeGeneres e muitos outros. Adoro dar boas risadas, desde que sejam risadas que damos juntos e não de outras pessoas enquanto elas ficam tristes. Por isso que humor é algo exige uma inteligência muito grande, senão vira bullying. E apologia ao crime JAMAIS é humor - e se você anda rindo disso, está precisando fazer terapia.
Como disse, não é a primeira vez que me é tirada a voz no Facebook e, infelizmente, não será a última. O jeito que a rede está organizada e a maneira automatizada como é feita a coleta de denúncias favorecem que, movidos por ódio, grandes grupos se organizem para tirar do ar o perfil de quem ameaça seus privilégios. E eu não posso solicitar que minha conta seja verificada, porque só o Facebook pode decidir quem "merece" o privilégio.
Está na hora da administração do Facebook entender um ditado popular muito sábio: com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. O Facebook precisa de uma polícia. Precisa de uma força tarefa qualificada que avalie cada denúncia de maneira mais profunda. Precisa dificultar também a denúncia, exigindo documentação de quem a faz e punindo quem denunciar falsamente - afinal, na vida real não é assim? O Facebook precisa entender que voz é algo importante, que voz é poder. Que a rede social se tornou umas das mais significativas arenas na disputa pelo poder do mundo de hoje. E que as mulheres não aceitarão serem excluídas de mais um dos campos de batalha.
* Nana Queiroz é diretora executiva da Revista AzMina (Facebook.com/revistaazmina), autora do livro "Presos Que Menstruam" e roteirista da série de mesmo nome em produção. Também é criadora do protesto "Eu Não Mereço Ser Estuprada". É jornalista pela USP e especialista em Relações Internacionais pela UnB.

Topo