UOL Olimpíadas 2008 UOL em Pequim
 

Tradutor é item essencial para desvendar país

Rodrigo Bertolotto

Em Pequim

Não há como sair pelas ruas de Pequim sem ela: a tradutora. A não ser que seja só uma volta pelo quarteirão para retornar logo aos aposentos. A não ser que você faça um curso intensivo de mandarim e esteja preparado para um percurso extensivo de mal-entendidos. Além da língua, é preciso entender a forma de pensar e agir dos anfitriões olímpicos.

Como saber, por exemplo, que se deve elevar o tom de voz quando se quer insistir em um argumento? Nossa tradutora, a senhorita Fang, grita e gesticula com os guardas que cuidam do estádio Olímpico, apelidado de Ninho do Pássaro. Pelo volume do bate-boca, poderia facilmente ser presa por desacato à autoridade no Brasil. O barraco termina, e ela volta para explicar a situação: “Ele disse que não podemos passar dessa guarita. Reiterei, mas não teve jeito.”

São especialmente indecifráveis os diálogos para pedir uma entrevista ou uma permissão para fotografar. Quando parece que está tudo bem, com sorrisos do interlocutor, vem um não pela frente. O contrário também se mostra verdade.

A tradutora de 23 anos se apresentou no hotel já pedindo para ser chamada de “Francesca”, nome que adotou após curso de italiano e achando que iria facilitar o contato com estrangeiros – seu nome original Yünyü exige bom domínio dos sons nasais e do sistema de entonação do chinês.

O italiano ficou só no nome próprio, afinal, ela fez um só estágio. Já com o inglês ela chegou até o último nível possível na China. Estudou em sua cidade natal, Xangai, a maior cidade da China. Mudou para Pequim para freqüentar e se formar na faculdade de Comunicações. Trabalhou com redatora em site de esporte, mas atualmente é secretária em uma redação de revista de negócios.

Flávio Florido/UOL

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Francesca teve que pedir folga no serviço para reforçar o orçamento. Tirou cinco do total de 21 dias úteis a que tem direito como férias anuais para gastar trabalhando. Contudo, o ganho em dólares merece o sacrifício.

Mas teve compensações. No melhor restaurante brasileiro de Pequim, ela pôde experimentar um pudim de leite com direito a lamber a calda: “O melhor doce que comi na minha vida.” Na China, há frutas carameladas, biscoitos e bolos de arroz e de feijão, mas a sobremesa não é o forte da gastronomia local. Outra recompensa acontece no Templo Dalai. Budista, ela pára sua atividade de intérprete por alguns minutos para orar e queimar incenso em sua comunicação com Buda.

Como todo trabalho tem seus aborrecimentos, Francesca penou com os longos deslocamentos de taxi pela cidade. Sofrendo de labirintite, ela tinha ânsia de vômito no traslado de uma reportagem para outra.

Outro aperto aconteceu na visita à Cidade Proibida, antiga residência da família imperial e hoje o ponto mais visitado pelos turistas em Pequim. Uma ambulante puxou um livro vermelho de dentro do casaco. E não era o típico volume de pensamentos de Mao Tse-tung, que era uma "bíblia" para as guardas vermelhas durante a Revolução Cultural (1966-76), mas hoje está convertido em mero souvenir.

É um guia sobre a cidade em alemão. A vendedora não desiste apesar de eu repetir uma das poucas expressões que decorei do mandarim: “pu yao, xiexie” (não, obrigado). A intérprete entra no meio e veementemente explica que não vou comprar nada. A vendedora se revolta e começa a esbravejar com ela porque acha que está atrapalhando seu negócio, com palavrões para todo lado.

Os tradutores são essenciais para os correspondentes instalados na China. São jovens de classe média, com formação universitária e que estão entrando no mercado de trabalho quando o país experimenta a globalização. É o grupo que consegue se comunicar em línguas estrangeiras na sociedade chinesa, que ainda sente o efeito de tanto tempo no isolamento político.

Mas não espere que profissionais como taxistas falem inglês. A categoria ganhou curso de inglês ("turn right" e "turn left") e o taxímetro dá tarifa na língua de Shakespeare ao final da corrida, mas a comunicação é só virtual. Segundo o governo chinês, 100 milhões de estudantes aprendem inglês nas escolas públicas do país. Nessa estatística não entram cursos particulares como o New Oriental, que conta com 750 mil compatriotas atrás de melhores oportunidades de emprego.

Com a proximidade dos Jogos Olímpicos, os honorários dos tradutores já estão bem inflacionados (o valor de uma semana hoje se cobra por dia). Todos querem sua porção no lucro que o país deve ter com a Olimpíada passando por lá.

Publicado no dia 11 de abril de 2008

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