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Estádio vira bico para operários e ambulantes

Rodrigo Bertolotto

Em Pequim

Dar o nome não é necessário, ganhar o dinheiro sim é necessário. Lendo jornal do lado de fora do alojamento, um grupo de eletricistas espera o furgão para ir trabalhar no estádio Olímpico, o Ninho de Pássaro. Dos quatro ali, só um quer conversar.

“Sou técnico em eletrônica na minha cidade. Moro na província de Hebei [vizinha a Pequim], mas estou aqui há dois meses”, conta. A história segue um enredo comum. Nenhum objeto de desejo para comprar com o ordenado olímpico. O dinheiro ganho é para sustentar mulher e filho, deixados no interior. Após o estádio, vai ajudar a montar um prédio de escritórios. Só depois vai rever a família. Nome dele? “Ele recusa dar o nome”, informa a tradutora que acompanha a reportagem. “Ele diz que não é necessário”, completa.

O encarregado do grupo chega interrompendo a conversa. Todos para dentro do veículo e já para o serviço. Se for levar em conta nossa experiência em Pequim, o trabalho dos eletricistas chineses não é dos melhores: seja em botão de elevador, em corrimão de escada rolante ou em maçaneta magnética, sempre um choque faz pensar que caímos em uma pegadinha de TV.

A recusa por entrevista também é reflexo do vazamento da notícia de que dez operários morreram no emaranhado de concreto do estiloso estádio olímpico de Pequim projetado pela dupla de arquitetos suíços Jacques Herzog e Pierre De Meuron, os mesmos que projetaram o Allianz Arena de Munique, local do jogo de abertura da Copa do Mundo de futebol de 2006.

AFP

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O periódico britânico “Sunday Times” divulgou que o governo chinês indenizou rapidamente as famílias dos mortos para “comprar o silêncio”. Primeiro, as autoridades desmentiram para logo confirmar a morte dos trabalhadores.

Nenhum jornalista pode se aproximar. Seguranças e tapumes barram a passagem a dois quarteirões do estádio. E os fotógrafos profissionais se aglomeram com os amadores atrás do melhor ângulo para registrar a nova jóia arquitetônica da capital chinesa e sua ostentação de crescimento.

Pequim virou um show-room para os arquitetos europeus da moda. Além dos suíços do estádio, o britânico Norman Foster assina o novo terminal do aeroporto, em tons de vermelho e amarelo, as cores preferidas do país desde os tempos imperiais, mas que combinou também com a era comunista, iniciada em 1949.

Já a nova sede da CCTV, o principal canal estatal, já está quase pronta e foi desenhada pelo holandês Rem Koolhaas. O francês Paul Andreu projetou o Teatro Nacional, e a forma ovalada ganhou o apelido de “O Ovo”. Esses prédios ousados destoam do estilo geral da cidade, que mistura o antigo de templos, palácios e hutongs (bairros populares de vielas) com os edifícios kitsch com muito acrílico, espelho, colunas gregas e telhados orientais.

“Pequim virou um laboratório para os arquitetos estrangeiros”, reclamou Wu Chen, arquiteto mais renomado do país, reproduzindo o sentimento de muitos de seus colegas. Assim como nos galpões fabris espalhados pelo país, nos canteiros de obra de Pequim o design é estrangeiro, mas a mão-de-obra é bem chinesa. E é movida a batata e doces. Na entrada da construção, lá estão os dois vendedores esperando os pedreiros saírem para um lanche. Impreterivelmente, o carrinho de lanche é uma bicicleta.

Em um tonel de ferro acoplado na dianteira do triciclo, o carvão esquenta as batatas doces, vendidas com casca e tudo. O preço para os trabalhadores é quatro yuans (R$ 1), mas para o turista, principalmente o ocidental, sai por dez yuans (R$ 2,5). Já o vendedor de doces porta uma torre de isopor em cima do guidão onde finca os espetos caramelizados de frutas – a mais típica tem o nome “chanzha”, e é uma mini-maçã.

Outros que lucram nos arredores do Ninho de Pássaro são os cambistas. Como o vizinho Cubo D´Água (local das disputas dos esportes aquáticos) já é cenário de torneios pré-olímpicos, lá estão os revendedores de ingresso, cobrando até dez vezes o valor de face das entradas. A conferir se eles vão sumir de cena durante a Olimpíada como os vendedores serão barrados para dar lugar à comida licenciada dos parceiros do COI (Comitê Olímpico Internacional).

Publicado no dia 31 de março de 2008

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