Rodrigo Bertolotto
Em Pequim
Todo brasileiro se sente um analfabeto diante dos ideogramas que inundam as ruas de Pequim. Mas o cozinheiro Paraíba tirou a dificuldade de letra, afinal, já estava habituado a essa situação no Brasil. Sem ter freqüentado escola, ele reconhecia tanto o alfabeto latino quanto os caracteres asiáticos.
Hoje, ele comanda o restaurante que venceu nos últimos três anos o prêmio de o melhor da capital chinesa. Para se comunicar com funcionários e clientes, fala um dialeto que mescla inglês, português e chinês, com poucos verbos e frases. “Clean plantas, xiêxiê” é a ordem educada para limpar a pouca vegetação que decora o salão. “Aqui a poluição pára nas folhas. Fica feio os fregueses, tudo gente rica, saindo com a roupa suja”, justifica a orientação Paraíba.
O local adota o estilo clean, com paredes brancas e teto de vidro. Para quem chega, só três coisas identificam que o restaurante tem origem brasileira: o nome (Alameda), as garrafas no bar (uma caninha Pitu, outra Velho Barreiro) e uma sobremesa no cardápio (Brazilian Milk Pudding, traduzindo, pudim). “Se colocasse uma foto de mulata ou do Cristo Redentor, iria ficar abaianado. O pessoal está cansado de papagaio pendurado”, sentencia o cozinheiro.
Pequim tem mais três restaurantes brasileiros, todos churrascarias com nomes sugestivos (Amazon, Gaúchos e Rio) e garçons chineses vestidos de bombacha e lenço vermelho no pescoço. A qualidade está bem aquém das similares nacionais, mas o que os consumidores locais querem é aproveitar o lema “coma quanto puder”.
Flávio Florido/UOL Brasileiro passa instruções para funcionária |
Já o Alameda ostenta uma cozinha contemporânea, com risoto de brie e pavê de amêndoas. Prato brasileiro só aos sábados (feijoada, com carne vinda da Mongólia) e às quintas (moqueca, com peixe importado da Nova Zelândia e leite de coco da Tailândia). Como aperitivo, caipirinha e pão de queijo.
Comida chinesa é que não entra no menu. “Não gosto dos pratos daqui. Eles colocam muita pimenta, óleo, sal e molho de soja”, crava. Fora dali, só come em restaurantes árabes. “Freqüento tanto um bar paquistanês daqui que o pessoal acha até que sou um deles.”
Paraíba é mesmo duplamente paraibano. Seja porque nasceu em Cajazeiras (PB). Seja porque, quando migrou, foi parar no Vale do Paraíba (SP). Chegou aos 17 anos a São José dos Campos, morou três dias embaixo de um viaduto até conseguir emprego em uma quitanda, que era fornecedora do melhor restaurante da cidade. Abriu uma vaga e lá foi ele ser auxiliar de cozinha, depois cozinheiro e depois chef.
O dono do restaurante paulista, que trabalhava no programa espacial do Brasil, acabou se mudando para a China no esforço de cooperação dos dois países. Quis abrir novo restaurante no novo país. Para tomar conta das panelas, chamou Paraíba, que aceitou a mudança radical no ano de 2004, deixando mulher e filhos em João Pessoa. Com o retorno de outros funcionários brasileiros, Paraíba acumulou funções, mas aliviou a situação chamando seu amigo Ceará, que era garçom em outra casa de Pequim, para ajudá-lo.
Ao final da entrevista, saio do restaurante perguntando quando ele pretende voltar a morar no Brasil. Ele não se imagina retornando ainda: a vida está muito boa e lucrativa em Pequim. Só no taxi percebo que cometi um erro de repórter iniciante: não perguntei o nome do personagem da matéria. Penso em dar meia-volta e ir atrás da pergunta obrigatória que não fiz. Desisto, afinal, o brasileiro está um país em que as pessoas têm nomes com no máximo três sílabas (só para se der uma idéia da pouca opção e criatividade: há só na cidade de Pequim dez mil pessoas com o nome Wang Tao). Então, está sob medida o apelido Paraíba (ou na versão chinesa, Pa Lai Ba). PS: O nome dele é Valdemir Augusto de Souza.
Publicado no dia 1º de abril de 2008