UOL Olimpíadas 2008 UOL em Pequim
 

Paraibano faz sucesso com gourmets chineses

Rodrigo Bertolotto

Em Pequim

Todo brasileiro se sente um analfabeto diante dos ideogramas que inundam as ruas de Pequim. Mas o cozinheiro Paraíba tirou a dificuldade de letra, afinal, já estava habituado a essa situação no Brasil. Sem ter freqüentado escola, ele reconhecia tanto o alfabeto latino quanto os caracteres asiáticos.

Hoje, ele comanda o restaurante que venceu nos últimos três anos o prêmio de o melhor da capital chinesa. Para se comunicar com funcionários e clientes, fala um dialeto que mescla inglês, português e chinês, com poucos verbos e frases. “Clean plantas, xiêxiê” é a ordem educada para limpar a pouca vegetação que decora o salão. “Aqui a poluição pára nas folhas. Fica feio os fregueses, tudo gente rica, saindo com a roupa suja”, justifica a orientação Paraíba.

O local adota o estilo clean, com paredes brancas e teto de vidro. Para quem chega, só três coisas identificam que o restaurante tem origem brasileira: o nome (Alameda), as garrafas no bar (uma caninha Pitu, outra Velho Barreiro) e uma sobremesa no cardápio (Brazilian Milk Pudding, traduzindo, pudim). “Se colocasse uma foto de mulata ou do Cristo Redentor, iria ficar abaianado. O pessoal está cansado de papagaio pendurado”, sentencia o cozinheiro.

Pequim tem mais três restaurantes brasileiros, todos churrascarias com nomes sugestivos (Amazon, Gaúchos e Rio) e garçons chineses vestidos de bombacha e lenço vermelho no pescoço. A qualidade está bem aquém das similares nacionais, mas o que os consumidores locais querem é aproveitar o lema “coma quanto puder”.

Flávio Florido/UOL

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Já o Alameda ostenta uma cozinha contemporânea, com risoto de brie e pavê de amêndoas. Prato brasileiro só aos sábados (feijoada, com carne vinda da Mongólia) e às quintas (moqueca, com peixe importado da Nova Zelândia e leite de coco da Tailândia). Como aperitivo, caipirinha e pão de queijo.

Comida chinesa é que não entra no menu. “Não gosto dos pratos daqui. Eles colocam muita pimenta, óleo, sal e molho de soja”, crava. Fora dali, só come em restaurantes árabes. “Freqüento tanto um bar paquistanês daqui que o pessoal acha até que sou um deles.”

Paraíba é mesmo duplamente paraibano. Seja porque nasceu em Cajazeiras (PB). Seja porque, quando migrou, foi parar no Vale do Paraíba (SP). Chegou aos 17 anos a São José dos Campos, morou três dias embaixo de um viaduto até conseguir emprego em uma quitanda, que era fornecedora do melhor restaurante da cidade. Abriu uma vaga e lá foi ele ser auxiliar de cozinha, depois cozinheiro e depois chef.

O dono do restaurante paulista, que trabalhava no programa espacial do Brasil, acabou se mudando para a China no esforço de cooperação dos dois países. Quis abrir novo restaurante no novo país. Para tomar conta das panelas, chamou Paraíba, que aceitou a mudança radical no ano de 2004, deixando mulher e filhos em João Pessoa. Com o retorno de outros funcionários brasileiros, Paraíba acumulou funções, mas aliviou a situação chamando seu amigo Ceará, que era garçom em outra casa de Pequim, para ajudá-lo.

Ao final da entrevista, saio do restaurante perguntando quando ele pretende voltar a morar no Brasil. Ele não se imagina retornando ainda: a vida está muito boa e lucrativa em Pequim. Só no taxi percebo que cometi um erro de repórter iniciante: não perguntei o nome do personagem da matéria. Penso em dar meia-volta e ir atrás da pergunta obrigatória que não fiz. Desisto, afinal, o brasileiro está um país em que as pessoas têm nomes com no máximo três sílabas (só para se der uma idéia da pouca opção e criatividade: há só na cidade de Pequim dez mil pessoas com o nome Wang Tao). Então, está sob medida o apelido Paraíba (ou na versão chinesa, Pa Lai Ba). PS: O nome dele é Valdemir Augusto de Souza.

Publicado no dia 1º de abril de 2008

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