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Em exibição durante os Jogos, Kung Fu é sucesso de público

Em exibição durante os Jogos, Kung Fu é sucesso de público

Emerson Almeida (d) "ganha" mais um bronze para o Brasil; veja fotos

22/08/2008 - 18h04

Kung fu tem torneio alternativo, show turístico e medalha virtual brasileira em Pequim

Rodrigo Bertolotto
Em Pequim (China)

Se o lobby chinês tivesse funcionado e o kung fu estivesse no programa olímpico, o Brasil já teria garantido mais bronze para sua coleção. Mas o esporte mais chinês de todos ficou apenas com um "torneio afiliado" aos Jogos, afinal, o COI (Comitê Olímpico Internacional) não quer mais esporte de exibição dentro do maior evento esportivo do mundo.

O medalhista seria Emerson Almeida, que ganha a vida consertando TVs e aparelhos de som em Cordeirópolis (SP). "Já avisei os clientes que os consertos vão demorar um pouco mais, mas coloquei meu pai para tocar a assistência técnica", disse o lutador que bateu o romeno Eugen Preda nas quartas-de-final com pernadas, agarrões e sopapos.

Os lutadores têm à disposição toda a infra-estrutura dos Jogos: dormem na Vila Olímpica, usam transporte oficial e credencial, suas lutas são noticiadas nos informativos oficiais e têm transmissão ao vivo pela TV chinesa. Almeida só não recebe o uniforme da delegação brasileira, que é responsabilidade do COB (Comitê Olímpico Brasileiro), que não contribuiu para a vinda do kung fu a Pequim - as passagens foram todas bancadas pelos chineses para garantir o quorum de 128 atletas de 43 países diferentes.

O kung fu (chamado na China de wushu) acontece no mesmo ginásio que foi palco dos jogos de handebol. Por isso, tem toda a decoração com as inscrições "Beijing 2008", centenas de voluntários e todas as instalações "de nível olímpico".

Apesar de sua história milenar e de ficar muito famoso depois do sucesso dos filmes de Bruce Lee, Jackie Chan e Jet Li, a organização do kung fu foi tardia, com a fundação de seu federação internacional em 1990. Quatro anos depois, o COI deu sua chancela à modalidade, mas, apesar de ter entidades em 119 países de cinco continentes, não tem chances de entrar para a enxuta Olimpíada, que tem de dar lucro com seus por volta de 10.000 atletas.

Além disso, o kung fu enfrenta o obstáculo de esportes aparentados já estarem no programa. Os vizinhos japoneses conseguiram incluir o judô, enquanto os coreanos foram bem sucedidos com o taekwondo.

Sua versão de combate, o sanshou usa até o vocabulário do boxe. "Joga um cruzadinho. Quando ele vier, mete um upper. Finta e dá um direto no estômago. Vai para o meio do ringue, clincha e não deixe ele dar jab", gritava o técnico Marcus Vinicius Alves durante a luta de seus pupilos. Na luta de kung fu, porém, o atleta pontua também com chutes, empurrando o rival para fora e derrubando no tablado.

Em sua versão artística, o taolu, a modalidade se assemelha a uma ginástica com armas. Os praticantes fazem uma rotina de movimentos obrigatórios e livres. E são julgados pela perfeição técnica e grau de dificuldade. No torneio de Pequim, há nove disputas, algumas com espadas, outras lanças e também com música. Adriano Silva foi o representante nacional, mas ficou longe do pódio (oficial da Olimpíada, mesmo sem contar medalha para o quadro oficial).

A terceira e última integrante foi Ariana Ortega, de Campinas, que perdeu em sua primeira luta para a iraniana Younarti Dehghani, que lutou toda coberta. "É a primeira vez que lutei com uma garota vestida assim, mas não dá para tirar vantagem disso. E ela era a favorita mesmo, porque o Irã é forte na luta", admite Ariana, que dá aulas da arte marcial para viver.

Os lutadores de kung fu são profissionais na Rússia, Irã e China, onde acontecem torneios com prêmios generosos, cachês polpudos e televisionamento. A diferença é que o combatente também pode dar joelhadas e não usa colete ou capacete de proteção. Emerson já participou de uma competição dessas e ganhou US$ 3.000. Ele planeja partir para essa vida lucrativa da porradaria em 2010, depois de se formar em Educação Física por faculdade de Araras (SP). "Estou enfrentando aqui muito cara profissional. Já estou no nível deles", assegura o brasileiro, que ficará na China com o time brasileiro treinando e competindo mais um mês.


Além do torneio, o kung fu é também tema de show turístico em Pequim. O musical "The Legend of Kung Fu" está em cartaz há meses com duas sessões diárias e um auditório cheio de visitantes querendo ver os acrobáticos golpes a que só assistiram antes nos filmes de porrada. Belgas, ingleses, franceses e norte-americanos chegaram em ônibus de agências e tiraram fotos com os atores vestidos de mestres e discípulos do templo Shaolin.

A superprodução tem efeitos especiais (atores "voando" içados por cabos, desaparecendo em alçapões, muito gelo seco e explosões), um elenco que dubla as falas em inglês e mandarim e números de técnica e força, como arrebentar tijolos, pedras e paus com socos. O enredo conta a história de um menino que vence o medo, descobre as forças vitais, vira discípulo de um mestre e depois o sucede - só um pretexto para cenas e mais cenas de piruetas e chutes coreografados.

O teatro estava com metade dos assentos ocupados, talvez pelo preço salgado dos ingressos (até US$ 120). Já o ginásio do torneio afiliado aos Jogos estava abarrotado, como muita disputa oficial olímpica não estava em Pequim. Mas os chineses descobriram que não podem ter tudo - como os ingleses não conseguiriam incluir o críquete em Londres-2012, nem os brasileiros poderiam somar o futsal na hipotética Olimpíada do Rio em 2016.

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