UOL Olimpíadas 2008 Reportagens Especiais
 
21/08/2008 - 17h58

Meca da pirataria, Mercado da Seda é cenário de desfile de encerramento antecipado

Rodrigo Bertolotto
Em Pequim (China)

O desfile de encerramento das Olimpíadas já começou, mas o local não foi o programado pela organização. No lugar do Ninho de Pássaro, os atletas, técnicos e dirigentes já escolheram para uma última voltinha os corredores apertados do Mercado da Seda, o paraíso da barganha e dos produtos falsificados de Pequim.

Todos os que já competiram ou os que foram eliminados dos torneios aproveitam agora a moeda chinesa desvalorizada para comprar "a preço de fábrica", afinal, o país é o galpão industrial do planeta. O consumo pode servir de consolo pelas frustrações nos Jogos.

Um grupo que se destacava no meio da fúria consumista desta quinta-feira era a equipe brasileira de ginástica comprando bolsas, máquinas fotográficas e o que viesse pela frente. "O Diego [Hypólito] não quis vir, mas a Daiane e a Jade estão vindo. É que o táxi delas se perdeu", esperava Laís Souza fora do prédio.

Também se protegendo da chuva embaixo de um toldo estava Vicélia Florenzano, presidente da Confederação Brasileira de Ginástica. "Uma amiga me falou que tudo é barato aqui. Quero fazer como ela e comprar um celular por 500 dinheirinhos", em referência aos yuans chineses.

Quando chega o restante da turma, elas se enfurnam entre as centenas de boxes distribuídos nos seis andares de lá. Elas têm de se desviar de representantes de Nicarágua, Belarus, São Tomé e Príncipe, Angola, Hungria, Zimbábue e Lituânia. No meio de tanto gringo, até um filho de Fidel Castro: o dirigente e médico da equipe de beisebol de Cuba, Antonio Del Soto Castro. Ele pula de uma loja de bolsas para outra de sapatos atrás de mimos para presentear no retorno à ilha.

Atrás da placa com a identificação "Silk Market" se esconde o prédio que é o terceiro lugar mais visitado por turistas na China (só perde para a Cidade Proibida e a Grande Muralha). Passaram por lá nas Olimpíadas personagens como George Bush (ex-presidente dos EUA e progenitor do atual mandatário), Anne Rogge (mulher do presidente do Comitê Olímpico Internacional, Jacques Rogge) e Deborah Phelps (mãe do recordista de medalhas).

O Mercado da Seda é sempre um mar de gente, com as vendedoras gritando e puxando para atrair os clientes. Mas a principal atração é o ritual da pechincha. Por exemplo, Bush pai barganhou, perguntou se a seda dali era verdadeira (boa parte é tecido sintético mesmo) e passeou entre os vários produtos genéricos de marcas norte-americanas, o que contribui para um prejuízo anual de mais de US$ 25 bilhões para as empresas dos EUA.

Eliminadas do torneio, as atletas do vôlei da Itália aproveitam o tempo atrás de exemplares piratas da Dolce Gabbana, Gucci e Prada, orgulhos comerciais da península. "Aspetta, amiga", grita a balconista, em um italiano sabor miojo. As mais poliglotas sabem as mesmas dez palavras-chaves em cinco ou seis idiomas: inglês, espanhol, italiano, francês, alemão, russo etc. As menos versadas ficam só no "luca, luca" (look, olhe em português), "chipa, chipa" (cheap, barato) e "guda, guda" (good, bom).

Passa um atleta dominicano, e a vendedora atrai a atenção. "Hola, guapo", dispara ao esportista que só merece esse adjetivo porque tem que gastar seus yuans antes de embarcar de voltar para a ilha caribenha.

Já os nadadores neozelandeses Cam Gibson e Hayley Palmer estão fascinados com o preço das roupas de seda, que uma dirigente húngara está comprando. "Preciso presentear minha mãe. Vou levar um desses quimonos. No meu país, eles são três vezes mais caros", se maravilha Gibson, não sabendo do perigo da vestimenta perder todo o glamour na primeira lavada.

A negociação é feita em uma calculadora em que vendedora e comprador digitam seus valores desejados após a peça escolhida. Em geral, a comerciante chuta um valor seis ou sete vezes superior ao de mercado. Se conseguir convencer o consumidor que o meio-termo é justo, está fazendo o chamado negócio da China. Já o cliente tem que manter sua oferta inicial e não ceder a chantagens, choros e puxões da outra parte. Se o acordo emperrar, a solução final é fingir tirar o time de campo: a balconista se rende e aceita a oferta.

Um tênis genérico da Diesel sai por R$ 30, um terno Giorgio Armani, por R$ 150 e uma camiseta pólo da Lacoste, por R$ 15. São preços atraentes até para quem freqüenta lugares de comércio popular no Brasil, como a rua paulistana 25 de Março ou a carioca região do Saara. Os produtos, porém, não são legítimos como anuncia o comerciante, nem aqui nem no Brasil.

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