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Chineses entoam músicas dos Jogos nos karaokês de Pequim

Chineses entoam músicas dos Jogos nos karaokês de Pequim

Hits olímpicos ganham público em Pequim

17/08/2008 - 15h00

Melodias olímpicas tomam parada musical dos karaokês de Pequim

Rodrigo Bertolotto
Em Pequim (CHN)

Os maiores sucessos cantam letras melosas como "eu ainda te amo", "você não sai da minha cabeça" e "vou te esperar". Mas o pop chinês padrão tem agora de repartir espaço com as músicas grandiosas criadas para os Jogos. Essas canções já tomaram as paradas das rádios, dos celulares, dos tocadores de mp3 e também do famoso reduto dos desafinados: os karaokês, que na China são chamados de KTV.

"Todos os esportistas são heróis", "vocês vão ver uma Pequim nova, uma nação forte" ou "nós demos nosso melhor para ultrapassar os obstáculos" são alguns dos versos cantarolados nas salinhas reservadas onde grupos de amigos ou familiares se fecham horas a fio para soltar a voz.

O maior desses estabelecimentos é o World Party, em um prédio de Pequim que conta com 100 recintos almofadados e sem janela. Regadas a sopa de miojo, amendoim, chá verde e cerveja, essas pessoas ficam aprisionadas cantando até o dia clarear - o local é 24 horas e chega a receber 5.000 em um dia de férias como esses de agosto.

O KTV é uma febre na China há anos tanto quanto o espírito olímpico é nestes dias. De fora, parece um shopping. Já o saguão de entrada lembra um hall de hotel: piso de porcelanato, balcão de mármore, espelhos, candelabros, sofás de espera, escadas rolantes e um batalhão de recepcionistas. Animadas, as 50 pessoas que esperam ali se assemelham a grupos de turistas prestes a sair de excursão. Nesse caso, é contrário: elas vão se enfurnar em incursões musicais claustrofóbicas por horas.

O burburinho do saguão se fecha nos quartos com portas de vidro e forte isolamento acústico. Não há confraternização entre os casulos, e os únicos que entram e saem sem parar são os garçons com bandejas repletas de comidas e bebidas (incluídas no preço).

Os cantores enjaulados selecionam as músicas diretamente na tela de sua KTV (sigla para karaokê television). Ou contam com um cardápio delas em cima da mesa de centro, ao lado do cardápio de coisas para colocar da boca para dentro. "O chinês se sente à vontade com os conhecidos e em lugares reservados. Não temos esse gosto dos ocidentais de se divertir ao ar livre", argumenta Cai Lun, vendedor que está com um grupo de amigos.

O karaokê foi inventado no vizinho Japão na década de 70. Cansado de o público pedir para cantar ao microfone no final de suas apresentações, um músico da cidade de Kobe decidiu gravar uma fita só com a base melódica dos hits da época. A idéia foi um sucesso no arquipélago. E na década de 90 virou mania mundial - sem que o inventor ganhasse mais que o lucro de umas dezenas de cassetes vendidos, afinal, não patenteou sua idéia.

Pois o karaokê entrou com tudo na China comunista há dez anos, aproveitando a abertura econômica. E está hoje na crista da onda. De dia, estudantes e senhoras se enclausuram ali. De noite, são grupos que saem do trabalho e relaxam com os trinados alheios e próprios. Alguns executivos até marcam para fechar negócio ali, entre uma peça musical e outra.

A fixação é tanta que as agências de namoro ou matrimônio marcam o primeiro encontro às escuras dos pombinhos em um KTV, como se as desafinadas do futuro parceiro tivessem algum efeito benéfico.

Bombardeadas pela indústria fonográfica e pelo governo central, que usam os mesmos métodos persuasivos para vender os Jogos para a população chinesa, as pessoas pegaram gosto pelas músicas olímpicas - são mais de 30 temas em vários CDs lançados. Tem canção para tudo, desde peças de auto-ajuda para os voluntários dos Jogos (o título é "Everyone is a Star") até louvação aos esportistas ("Heroes"), além de músicas de boas-vindas aos visitantes (a direta "Welcome to Beijing"). Algumas são bilíngües, com partes em mandarim e outras em inglês.

"Meu celular está repleto dessas músicas. São muito boas e fazem a gente entrar no clima da competição", diz Wendy Zhou, para mostrar logo em seguida sua preferida: "Many Mountains, Many Rivers", uma ode à geografia nacional, seus rios e montanhas. A obra foi perpetrada pelo cantor Jay, taiwanês que é o astro pop da China. Suas músicas estão entre as mais tocadas no KTV junto com as de Andy Lau, estrela saída de Hong Kong.

Aliás, a área de entretenimento é dominada no país por produções de Taiwan e Hong Kong, locais que convivem há mais tempo com a indústria cultural massificada do que a China continental. O assunto é delicado, afinal, muito dinheiro de direitos autorais vai para essas duas regiões, sendo que uma é autônoma (Hong Kong) e a outra se proclama um país desde a década de 40 apesar do governo de Pequim querê-la de volta (Taiwan).

Contudo, os líderes comunistas, como represália ao dinheiro escoado para a "província rebelde", exigem que novelas, filmes e músicas tenham a pronúncia do mandarim pequinês, afinal, não quer que os jovens da capital adotem gírias vindas de lá, como vem acontecendo.

Mas essa medida não pegou. O que pegou mesmo foram as músicas olímpicas que não param de tocar nos ginásios, estádios e rádios de Pequim. Agora imaginem se acontecesse o mesmo no Brasil, com a música-tema do Pan do 2007: afortunadamente, "Viva Essa Energia", com Arnaldo Antunes, começou e acabou sua execução junto com os Jogos do Rio.

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