UOL Olimpíadas 2008 Reportagens Especiais
 
15/08/2008 - 15h50

Hospedagem familiar fica às moscas com turistas evitando Pequim

Rodrigo Bertolotto
Em Pequim (China)

O clã francês Steinetz tentou se hospedar em uma casa suburbana para não pagar os 400 euros (R$ 960) de diária dos hotéis de Pequim nesses dias olímpicos. Mas a falta de ar-condicionado, de higiene e de atrativos turísticos por perto fez o grupo fugir da acomodação familiar. Por sorte, eles acharam um meio-termo, a pousada tocada pela família Zhang no turístico bairro de Houhai, com lagos, bares internacionais e vielas típicas por todos os lados.

"Uma TV francesa veio nos entrevistar porque éramos uns dos poucos que não tinham ficado em hotéis. Eles conseguiram nossos nomes e endereços com a polícia daqui, que registra tudo que os turistas fazem", conta Sabine, que veio acompanhar a natação olímpica com seu filho Stephen, seu marido, François, e sua mãe, Mimi.

A solução se mostrou bem mais em conta, a 40 euros ou 10% do preço pedido pelos hotéis. Os Steinetz não tiveram dúvida de desviar dos mármores e saguões dos hotéis pelo pátio de pedra sombreado por uma parreira e um dragão cinza afugentando os maus espíritos atrás da porta vermelha, tão pequinesas como os estreitos hutongs (vielas labirínticas) por onde passam riquixás puxados por ciclistas.

Mas esses estrangeiros se esqueceram de confortos como serviço de lavanderia. Eles mesmos têm de lavar as roupas e pendurá-las em varais improvisados na rua. "Ninguém mexe com suas coisas. Há muito medo de a polícia descobrir, e o espertinho parar na cadeia", assegura Claire Zhang, a chefona do albergue familiar.

Prevendo uma onda de turistas domésticos e estrangeiros em agosto, as autoridades de Pequim arregimentaram mais de mil famílias que poderiam receber gringos que não conseguissem vagas em hotéis. Depois do cadastro e do curso para convivência com os forasteiros, tudo estava pronto. Essa mesma solução deu certo em Atenas-2004, quando vários apartamentos viraram verdadeiras repúblicas internacionais para suprir a falta de leitos na cidade grega.

A alternativa, porém, ficou ociosa na sede de 2008. Tudo porque o número de visitantes caiu 20 % em relação à média normal para o mês de agosto, de veraneio no hemisfério norte. Os chineses de outras cidades não foram para Pequim porque não conseguiram ingressos para os eventos concorridos e preferiram assistir aos Jogos no conforto de seus lares. Já a pouca freqüência internacional é justificada por várias razões, desde a dificuldade para conseguir o visto, a distância dos países com maior emissão turística (EUA e União Européia) e o grande esquema de segurança da cidade-sede.

Essa última preocupação, por exemplo, expulsou do Parque Olímpico quem não tem ingressos ou credenciais. Os turistas têm que ver de fora dos alambrados às maravilhas arquitetônicas, como o estádio Olímpico (Ninho de Pássaro) e o ginásio de natação (Cubo De Água).

Os Steinetz conseguiram entrar para ver as braçadas do conterrâneo Alain Bernard, ouro nos 100 m livre. Antes, contudo, entraram em outra dessas roubadas de turista olímpico: compraram bilhetes falsos nas proximidades do ginásio das mãos de cambistas, atividade que é crime na China.

Perderam 1.000 euros (R$ 2.400). Na segunda tentativa, porém, encontraram ingressos legítimos pelo mesmo preço com outros revendedores. E eles conseguiram testemunhar os Jogos. "Viemos arriscando tudo, porque as entradas esgotaram rapidamente na Europa. Economizamos na hospedagem para poder comprar os bilhetes no mercado negro", resume Stephen.

Esses franceses também se mostram afeitos às soluções alternativas na hora de consumir. Stephen comprou no Mercado da Seda por 80 euros (R$ 192) um terno pirata Giorgio Armani, que ele espera que sobreviva à primeira lavada. Afinal, a máquina fotográfica que adquiriu na semana passada já pifou. O turismo na Pequim olímpica se apresenta como uma corrida com vários obstáculos.

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