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11/08/2008 - 10h42

Olimpíada afugenta desempregados para mostrar Pequim "para inglês ver"

Rodrigo Bertolotto
Em Pequim (CHN)

Na estação de trem oeste de Pequim, o cartaz mostra o estádio Olímpico e o slogan "One Dream, One World". Embaixo dele, Jiang Zhao está tão à vontade como em um dos escuros alojamentos de obra que habitou nos últimos oito anos. Deitado em cima de sua bagagem embalada em enormes sacolas plásticas com estampas do Mickey e da Minnie, ele espera a composição que vai para a província de Heibei.

"Estou chateado por ter que sair. Trabalhei nos últimos anos transportando vigas de aço para nossos estádios, e, quando a Olimpíada finalmente chegou à China, eu vou para longe", se queixa o senhor Jiang.

Como muitos ali na plataforma, ele não consegue emprego na capital desde 20 de julho, quando foram paralisadas construções e fechadas fábricas para não despejarem trânsito e poluição na cidade-sede. Atrás dos tapumes olímpicos, escavadeiras e guindastes estão estacionados. Nos bairros industriais, as ruas estão vazias como se o país estivesse em crise e não vivesse um crescimento econômico de 10% ao ano nas últimas três décadas.

A debandada também livra a cidade de parte da população pobre. Calcula-se que Pequim tenha 17 milhões de habitantes, sendo que 4 milhões são migrantes que não têm permissão de residência - na China, é preciso ter uma licença para morar nas grandes cidades, medida para evitar o fluxo migratório que já é projetado em 400 milhões de pessoas até 2020 (ou seja, duas vezes a população brasileira saindo do campo paupérrimo para as emergentes metrópoles).

Dong Qiang Xing, 75, é apenas um nessa estatística. E um bem chateado com a situação, sentado sobre uma folha de jornal no chão esperando o trem para a província de Shanxi. "Vim para Pequim varrer um parque perto do estádio olímpico. Ganhei 200 yuans (R$ 50) por uma semana de trabalho, mas gastei 188 com a passagem de volta. Enquanto os outros embolsam muito, lucrei 12 yuans (R$ 3) com essa Olimpíada", se revolta enquanto sorve sonoramente seu macarrão instantâneo.

Ao lado dos banheiros, há pias com água quente para hidratar os potes industrializados de lamem. Após a infusão de quatro minutos, as pessoas ficam de cócoras, ingerem miojo e sugam o caldo. Nas salas de espera da estação, todos os bancos estão lotados.. Os mais precavidos trouxeram esteiras de bambu onde deitar, com sapatos e garrafas de chá verde pousados ao lado. Os mais cômodos usam como sofá a própria bagagem, acolchoadas pelas trouxas de roupa.

A dupla Wang Heng e Chu Zheng está confortável sobre tudo o que acumularam na vida. Vão voltar para a terra natal, a província de Sichuan, que foi o epicentro do terremoto em maio último, com mais de 70 mil mortos. "Aqui em Pequim não faltava trabalho até a Olimpíada, mas vamos voltar para nossa cidade e tentar achar algum. Por mim, nem assisto às Olimpíadas, quero estar trabalhando", conta Heng, que viveu na capital por cinco anos.

Os próprios patrões divulgaram o boato que a polícia pequinesa prenderia durante os jogos toda pessoa sem licença de moradia, algo que é maleável quando a cidade precisa de mão-de-obra barata e sem contrato. O temor e o desemprego expulsam os pedreiros, operários e ambulantes até que a comitiva olímpica formada por jornalistas, esportistas e turistas for embora.

Mas outros motivos também entram em jogo. "Vou aproveitar para visitar minha mãe que não vejo faz tempo. Mas, quando acabar a Olimpíada, estou aqui procurando um bico", promete Jiang, o senhor do começo dessa reportagem, voltando para o texto como voltará para Pequim.

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