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Grilos começam combate em feira da capital chinesa

Grilos começam combate em feira da capital chinesa

Veja mais fotos da briga de grilo em Pequim

05/08/2008 - 10h17

Depois de humanos, grilos lutam seus "Jogos de Pequim" em setembro

Rodrigo Bertolotto
Em Pequim (China)

Eles estão agora em plena pré-temporada na China, treinando e ganhando massa para o período de competição. E, depois dos humanos fazerem sua Olimpíada em agosto, será a vez dos grilos dominarem Pequim em setembro para combates que coincidem com a chegada do outono.

E a torcida não é de se desprezar, afinal, com 1,3 de bilhão de habitantes no país, se 3% dos chineses acompanham as lutas de insetos, os adeptos desse esporte formam um grupo maior, por exemplo, que a torcida do Flamengo, o time de futebol mais popular do Brasil.

BRIGA DE GRILO AGITA PEQUIM

Fui conferir por que a modalidade arregimenta tantos entusiastas indo a uma feira de animais no distrito de Guan Yuan. Em meio a barraquinhas vendendo escorpiões, cobras, centopéias e sapinhos, lá estavam os criadores do grilo-lutador.

Não é difícil localizá-los: é só seguir o canto característico. Um corredor reúne os criadores do inseto que produz som graças a suas asas dianteiras. "Eles me fazem lembrar a alegria do verão. Quando ouço, é como o som da felicidade em um dia de sol", se empolga o senhor Fang ao comprar três grilos-cantores por 10 yuans (R$ 2,5), em um dia nublado e poluído de Pequim.

Os espécimes briguentos estão escondidos em latas escuras e individuais, engordando graças a uma dieta a base de grãos de milho, enquanto os cantores vivem em gaiolas bonitas e comem cenoura, banana e maçã. Quando chega o outono, começa a temporada, e os grilos são colocados em jejum para ficarem mais vorazes, como os pugilistas fecham a boca para controlar o peso antes de subir ao ringue.

Por isso, uma luta em pleno verão é difícil. O criador Xiao Jing, porém, se dispõe a me vender um grilo-lutador e achar alguém que tenha um rival para enfrentar o meu pupilo. Pago 20 yuans e espero. Logo ele arruma um vizinho com um grilo mais mirrado, partindo para o sacrifício como um sparring.

Pescados com uma redinha nos potes que habitaram nos últimos meses, eles são colocados frente a frente em uma arena de dez centímetros de diâmetro. Primeiro, eles praticam uma esgrima dupla com suas antenas. O momento espadachim dura pouco, e os insetos partem para o corpo-a-corpo se digladiando com suas mandíbulas abertas.

Depois de dois ataques com estocadas valentes, meu grilo parece ter vencido a luta: o adversário se esquiva, recua, parece querer fugir do mini-ringue. "Ele perdeu os dentes, não quer mais lutar", decreta Xiao, que resgata o perdedor. "Agora vou vendê-lo como cantor por um yuan, e, sem mandíbulas, só vai cantar à noite", decreta o criador sobre o futuro boêmio do inseto.

O registro mais antigo da fascinação chinesa pelos grilos data da dinastia Tang (618 a 907), quando as concubinas imperiais acomodavam grilos em gaiolas douradas. O costume palaciano se popularizou. Por um lado, o animal das moitas ganhou poemas e contos na literatura local. Por outro, surgiu a luta insetívora, principalmente da observação da voracidade deles no outono, quando o alimento escasseia e os animais começam a lutar entre si.

Hoje o combate de grilo é um verdadeiro segmento econômico. Em Pequim, há um comitê que organiza competições, regula as apostas e registra os criadores. Na capital, um torneio nacional anual traz os melhores guerreiros das províncias de Xangai e Shandong, celeiro dos melhores grilos, que lutam no máximo duas vezes em um dia para ficar uma semana de molho antes de voltar ao teatro de guerra.

Maior cidade da China, Xangai é uma espécie de Las Vegas da jogatina grileira, com aposta que chegam a 10.000 yuans (R$ 2.500). Em geral, o dono aposta em seu grilo. Os embates podem durar até meia-hora, quando os grilos são parrudos, lutando até mesmo quando algumas patas já foram devoradas.

O proprietário vencedor fica com a bolada e ainda pode vender o inseto sobrevivente por um bom preço - nesse país em que pululam novos-ricos, um grilo de 180 yuans pode valer, depois de uma vitória, 8.000 yuans, um investimento melhor que a Bolsa de Valores.

Em Shandong, famílias inteiras vivem de caçar futuros campeões no interior. O problema é que, com o meio ambiente deteriorado pela poluição causada após industrialização acelerada da nação que cresce 10% ao ano, é cada vez mais difícil achar um exemplar excepcional. Depois de garimpar uma promessa, é hora de lapidação. "É preciso muito conhecimento para reconhecer, selecionar e alimentar os campeões", afirma Xiao, que me vendeu meu grilo.

Terminada a luta, o senhor Xiao entregou-me como troféu meu vencedor em uma latinha presa por um elástico. Até pensei levá-lo para o hotel para que ele tivesse um tratamento vip que um pugilista campeão merece. Mas teria que soltá-lo em um gramado antes do retorno ao Brasil. Preferi trocá-lo por uma gaiola. Quem sabe já em terras brasileiras, eu aprisione um grilo local para que seu canto me lembre de Pequim.

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