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Estudante Feng Shi Lun conversa na frente de local de aprendizado muçulmano

Estudante Feng Shi Lun conversa na frente de local de aprendizado muçulmano

Veja mais fotos do bairro islâmico em Pequim

04/08/2008 - 16h27

Bairro muçulmano de Pequim se cala sobre temor terrorista

Rodrigo Bertolotto
Em Pequim (China)

O carro bomba e as granadas falaram tudo numa série de estrondos. O ataque na região islâmica de Xinjiang, no oeste da China, matou 16 pessoas e chamou atenção do mundo para o separatismo da região, afinal, um mar de jornalistas invadiu Pequim nesta semana para cobrir os Jogos Olímpicos. A tensão aumenta ainda mais sabendo das ameaças de novas ações, inclusive na capital chinesa, como a polícia local investiga.

MUÇULMANOS ORAM EM PEQUIM

Mas no bairro muçulmano de Pequim o que reina é o silêncio. A reportagem do UOL visitou a área e entrevistou uma dezena de pessoas: nenhuma quis opinar sobre o assunto do momento. "Se quiser, eu falo de nossa cultura e religião. Mas sobre política não gosto de comentar", corta Feng Shi Lun, em frente da escola islâmica de Pequim, a principal madrassa de formação imãs da China, com mais de mil alunos.

Vindo da árida Xinjiang, Feng mora na capital do país no distrito de Niujie, região dominada pelos imigrantes. "Aqui é o melhor local para estudar o Corão na China. Pessoas de todo o país vem para lá", conta o rapaz com vestimentas religiosas, quando o assunto é mais ameno. Faltam dois anos para ele virar imã e voltar para sua comunidade, da etnia Hui Zu, que tem idioma aparentado com o turco.

O cenário do bairro pequinês é uma mistura de arquitetura chinesa e islâmica. A mesquita local mais parece um templo budista, com seus telhados em curva e com dragões pelos cantos. A cor vermelha, tão ao gosto local, domina o verde e o azul, que os seguidores de Maomé tanto veneram. O minarete dali seria facilmente confundido com um pagode oriental.

Dentro da mesquita de Niujie, seu administrador também se esquiva das perguntas. "Por favor, não vamos conversar sobre política, terrorismo ou separatismo. Aqui se fala só de fé", descarta de cara Wei Chinjie, afinal, estamos em um país com forte censura e repressão aos opositores - os jornais e sites chineses demoraram a publicar sobre o atentado desta segunda, e só o fizeram quando alguns suspeitos foram detidos.

Apenas três séculos depois do surgimento do Islã, Pequim já tinha em sua paisagem a mesquita de Niujie, construída em 996 d.C., afinal, os árabes e turcos sempre estiveram na rota da seda, que tinha como porto final as cidades chinesas. O santuário aumentou de tamanho e importância quando o expansionismo imperial chinês dominou os povos da Ásia Central, como os uigures e uzbeques, a partir de 1644.

A China expulsou seu imperador em 1911, virou república e depois país comunista, mas manteve seu território abrigam os islâmicos dentro do país que adotou o materialismo e coibiu a espiritualidade, rotulando de crendice. Com a abertura recente da China, o governo comunista permite cinco religiões no país: budismo, catolicismo, protestantismo, judaísmo e islamismo.

Mesmo com esse relaxamento e os investimentos na região dominada pelo Islã, as autoridades de Pequim estão enfrentando o radicalismo interno de grupos que querem criar a República do Turcomenistão do Leste no território que hoje é a província chinesa de Xinjiang. Para o governo central, o tema é tão sensível como a questão tibetana, outra região que procura autonomia para sua política, mas enfrenta forte resistência do regime do presidente Hu Jintao.

Entre as mulheres islâmicas, a evasão diante de qualquer pedido de opinião é ainda mais forte. "Não comento nada sobre isso", disparou Fan Yuling, saindo da mesquita de Pequim. Com sua cabeça coberta por um xador, os traços faciais mostram os olhos chineses envoltos na pele tostada dos povos dos desertos da Ásia Central. A mistura que convive bem seu rosto não é tão pacífica quando é transportada para a política atual.

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