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Obra simula a enterrada de um menino na cesta em montagem fotográfica

Obra simula a enterrada de um menino na cesta em montagem fotográfica

Veja mais fotos da exposição na Factory 798

03/08/2008 - 13h23

Arte chinesa brinca com presente olímpico e passado comunista

Rodrigo Bertolotto
Em Pequim (CHN)

Em Pequim, há um oásis em que se pode criticar, ao mesmo tempo, o regime comunista e a atual devoção olímpica da China. Na região artística chamada Factory 798, a imagem de Mao Tse-tung pode ser pintada e deformada bem ao gosto da pop, alterando tanto o rosto do líder revolucionário quanto a política local para adotar o atual "socialismo de mercado".

Essa zona livre fica a leste do Parque Olímpico. E pode tirar um sarro do espírito esportivo que dominou os chineses neste ano. Os quadros mostram o estádio Ninho de Pássaro cercado por formigas, homens nus ou lutadores voadores (esses últimos, típicos do filmes de kung fu local).

A atual arte da China aponta também o dedo na cara das autoridades que demoliram metade da cidade, incluindo bairros milenares, para dar lugar a ginásios gigantescos e uma rede de auto-pistas - mais de 70 mil pessoas foram despejadas para o subúrbio pequinês. Um dos quadros mostra as casas sendo demolidas tendo ao fundo os dois cartões-postais dos Jogos: o Ninho de Pássaro e o ginásio de natação Cubo de Água.

Sobra até para o barão Pierre de Coubertin, criador do movimento olímpico no século 19. O divulgador do mote "o importante é competir" teve o retrato e seu nome estampando sobre um dos símbolos da china: uma reprodução de um dos mais de 8.000 guerreiros de terracota de Xian, desses que circulam pelo mundo desde foram descobertos em 1974 após séculos enterrados. O idealista francês faz companhia a Che Guevara, Mickey Mouse e Marilyn Monroe como motivos sobre os guerreiros.

Outras obras fazem paralelo entre o fervor olímpico e a fé comunista. Uma pintura traz um soldado chinês inflável carregando a tocha olímpica. Outro retrato reproduz as imagens de brigadistas revolucionários erguendo a bandeira olímpica no lugar dos símbolos maoístas.

Mas, no meio de tanta crítica elaborada, a multinacional norte-americana Nike montou uma galeria para exibir um histórico de tênis e vestimentas. O marketing em forma de arte incluiu o teto da galeria cheio de manequins que representam os atletas chineses nas mais diversas modalidades. Nessa exposição, a marca se apropriou do visual do realismo socialista, com pessoas fortes fazendo gestos positivos, para vender sua imagem para os chineses.

A Factory 798 é uma antiga fábrica construída em estilo funcional da Bauhaus, com ajuda dos alemães orientais, mas que foi desativada nos últimos anos. O que eram antes galpões, depósitos e salas de máquinas agora são galerias que mostram a tão atrativa arte pop chinesa, que ganhou fama mundial com exposições na Europa e EUA.

Os artistas locais parecem se destacar por verem de perto e intensamente as contradições do chamado "regime de dois sistemas", com a economia capitalista e a política comunista. Desse choque nasce uma arte muito provocativa e expressiva.

Exemplos não faltam. Fotos com executivos atrás de prostitutas, denunciando o hedonismo que os novos-ricos chineses caíram com a abertura econômica. Ou imagens de Buda criança ao lado de latas de refrigerantes e hambúrgueres norte-americanos. Ou uma guerrilheira maoístas abraçada com a Estátua da Liberdade. Ou pandas comendo cédulas de dólar.

Quando comunismo, capitalismo e olimpismo se juntam é tanto símbolo e ideologia junto que rende muito brincar com esses credos.

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